A partir do desenvolvimento do cinema, a discussão acerca de seu papel na sociedade ganhou destaque. Hoje, mais de 120 anos desde a invenção do primeiro cinematógrafo – aparelho que permitia o registro de imagens em fotogramas –, o cinema, em grande parte dos países, está presente intensa e cotidianamente. Assistir a filmes, neste sentido, – seja na própria sala de cinema ou por meio da Netflix, por exemplo – faz parte da cultura e de hábitos cotidianos de diversos indivíduos. Por tais razões, seria ingênuo e irreal acreditar, então, que o cinema não tem papel fundamental dentro da sociedade. Isto deve-se ao fato de que as obras audiovisuais (assim como outras formas de arte), sempre carregam certos códigos, uma vez que sempre partem da dimensão local de sua produção – seja por meio da direção, roteiro, ou, até mesmo exibidora ou estúdio – e vão em direção ao coletivo, à sociedade. Os signos proliferados pelos filmes podem estar ligados às premissas que determinada narrativa carrega. Embora distintas em cada obra, estão sempre presentes e revelam as formas pelas quais um cineasta (ou uma equipe de produção), procurou organizar formas de o cinema nos afetar e fazer pensar. Para não ficar tão abstrato, podemos entender que, ao terminarmos de assistir a algo, somos deixados com diversas ideias e sensações que a obra, desde o começo, se ocupou de mostrar e construir.
No cinema de Agnès Varda, por exemplo, podemos observar a importância sociopolítica do cinema aliada à estética, e como suas produções foram responsáveis por mudanças de paradigmas e ideais coletivos. Desde o início de suas obras, a cineasta radicada na França realizou o que podemos caracterizar como um cinema político. Isto é, as escolhas realizadas por Varda – seja de temas, de protagonistas ou até de movimentos de câmeras, para citar alguns – buscavam dar voz a partes não ouvidas. Em “Os Renegados” (1985), por exemplo, Varda retrata a história de uma jovem mulher andarilha, que passa os dias andando pelas estradas.
Em ‘Os catadores e eu’ (2000), Varda promove uma relação poética entre as pessoas que vivem dos restos, dos materiais jogados fora, e sua própria forma artesanal de encarar o cinema, montando suas imagens como uma catadora que capta a força de vida destes materiais (como pudemos ver em nossa sessão de junho/2018 – inserir link). A cineasta interage e conversa com tais pessoas e se insere em seus contextos e vivências, e, de forma sensível, íntima e pessoal, explora e ressignifica a prática.
Já no curta “Resposta das Mulheres: Nosso Corpo, Nosso Sexo”(1975), Varda mostra as visões de diferentes mulheres sobre o que é ser mulher, sobre liberdade e sobre seus papéis na sociedade. Com estas duas obras, Varda abordou temas e personagens que talvez não teriam atenção. Com suas escolhas cinematográficas e narrativas, a cineasta construiu uma arte que transformou ideais antigos e desenvolveu novos. O cinema político e transformador de Varda se deu pela promoção de debates e trocas. Revelando, muitas vezes, contradições e distintas perspectivas, Varda não procurava por respostas absolutas aos temas propostos, mas sim defendia os diálogos, novas narrativas e linguagens. Desenvolvendo um cinema de tal forma, Varda fomentou discussões e promoveu transformações, tanto na própria linguagem cinematográfica quanto na vida social e coletiva.
De maneira geral, então, podemos observar no cinema – seja no de Agnès Varda ou de outros cineastas – formas e tentativas de rompimento de certos imaginários e de criação de outros novos, diferentes formas de relação com o ambiente e as tensões que nele vivenciamos. Isto revela, neste sentido, a responsabilidade da sétima arte em articular elementos estéticos com o contexto social, político e cultural: por meio dela, torna-se possível revirar códigos já dados, enfatizar questões expostas socialmente ou, até, criticá-las e criar novas visões de mundo.
Talvez, um dos espaços em que podemos observar de forma ainda mais intensa e evidente o papel transformador do cinema seja o dos cineclubes. Desde seu surgimento — na década de 1920, na França, em que amigos se reuniam para debater sobre o cinema e a linguagem cinematográfica —, esses espaços serviam para discutir e analisar distintas obras, de modo que fomentavam trocas entre os indivíduos e promoviam reflexões sobre os temas abordados nas telas. Levando adiante esta tradição, foi a partir de tal visão de transformação e de relevância estética, filosófica e sociopolítica do audiovisual que também o Cineclube Pedagogias da Imagem foi desenvolvido. Em março de 2017, o CinePed foi inaugurado na Faculdade de Educação e atua, até hoje, no Campus da Praia Vermelha. Este ano, no entanto, não houve sessões presenciais do Cineclube, devido à pandemia do Novo Coranavírus. Apesar disto, as mídias sociais do CinePed (@cine.pedagogias no Instagram, @cinepedagogias, no Twitter, além do próprio blog e da página no Facebook) mantiveram o projeto no ar. A partir destes meios, compartilhamos visões, indicações e estudos relacionados ao cinema, com o intuito de perpetuar os propósitos do Cineclube e atingir novas pessoas. Buscando possibilitar processos pedagógicos atrelados à experiência do cinema, o cineclube incentiva reflexões e debates sobre temas que vão das telas ao mundo, aos ideais individuais e coletivos, ao contato com as diferentes áreas do conhecimento, mobilizadas e convidadas a pensar com o cinema.
Por fim, cabe a nós, enquanto cidadãos e espectadores de filmes, compreendermos a importância do cinema para com a sociedade, entendendo que ele, de fato, possui forte papel de transformar, modificar, reiterar, criticar e influenciar valores e ideais presentes no coletivo.
Fontes de pesquisa: Instituto de Cinema; Valkirias; Mulheres do Mundo
Redação:
Luisa Martins
– Extensionista do projeto Pedagogias da Imagem