Na sessão do dia 23/5, de volta ao Auditório Manoel Maurício, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), tivemos a exibição do filme “Assunto de família” (Manbiki Kazoku – Japão, 2018) do diretor japonês Hirokazu Kore-eda, seguido da palestra “A família e suas imagens afetivas”, ministrada por Henrique Antoun, professor titular da ECO – UFRJ e do PPGCOM/UFRJ. Ganhador da Palma de Ouro em Cannes em 2018, o longa acompanha uma família não-tradicional moradora de uma grande metrópole que, após encontrarem uma menininha sozinha passando frio na rua, a levam para casa para cuidá-la. O filme mostra o cotidiano, as alegrias e os segredos de uma família tentando sobreviver por meio de pequenos furtos em meio a pobreza em uma área central no Japão.
Henrique Antoun, em sua palestra, explorou as imagens e articulações afetivas que o filme nos apresenta, pensando sobre a ideia de ‘família’, desdobrando elementos que apontam para formas mais espontâneas e diversas de parentesco, mais próximas da ideia de rede, para além da filiação e dos laços ditos naturais. Do ponto de vista do Estado, os personagens do filme não seriam uma família legítima, dada a inexistência de um vínculo sanguíneo. Então, como formar uma família no interior deste Estado? Ao escolherem acolher em sua casa uma menina que estava sozinha na rua – e, após perceberem que ela tinha marcas de abusos cometidos pela sua família sanguínea -, temos uma questão moral, pois, teoricamente, eles sequestram uma menina que tinha uma família, mas também a salvaram de uma realidade de abusos negligenciada pelo mesmo Estado, formando um novo tipo de arranjo familiar.
O diretor Kore-eda não julga os personagens, optando antes por descrever sua realidade e focar em outros dilemas. No longa, o Estado é falho em diversos sentidos – algo que se nota dadas as condições de vida da família, que pratica furtos de alimentos, vestimentas, ou seja, recursos básicos de sobrevivência, que poderiam ser providos, por exemplo, com a atenção do Estado. Para Antoun, faltaria honestidade, do ponto de vista estatal, enquanto sobraria sinceridade do ponto de vista familiar dos personagens.
Sendo assim, o filme trabalha com o conceito de “chosen family” – na tradução, ‘família escolhida’ – ao mostrar que relações podem ser construídas dentro de uma realidade precária e entre desconhecidos que, mesmo envoltos em um turbilhão de situações, mesmo com alguma moralidade distorcida, criam para si algum espaço afetivo, um ponto de partida para a criação de uma família. Kore-eda nos faz pensar, portanto, na nossa própria desconstrução moral, trabalhada com a delicadeza das relações, refletindo sobre como se constrói e se mantém o amor, além de discutir se existe, no limite, condição para se formar uma família. Deste modo, ele explora a ideia de rede associada à complexidade dos seres humanos, de suas relações, enfatizando que seria justamente no emaranhado destas relações que os vínculos se formam, se multiplicam e se perpetuam.
Redação:
Rafaela Filgueiras – bolsista PIBIAC do projeto Pedagogias da Imagem
Fotos:
Gabriel Cid – coordenador do projeto Pedagogias da Imagem
Agradecimentos:
CFCH
Henrique Antoun