Trabalho em foco, entre tensões e transformações

No dia 30 de abril, o cineclube Pedagogias da Imagem promoveu a exibição do longa Eles não usam black-tie (Brasil, 1981), de Leon Hirszman. Para guiar o nosso intenso debate pensando cinema, transformações do trabalho e lutas sociais – que se estendeu após o filme – contamos com o Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP, Reinaldo Cardenuto, a Doutora em Educação pela FE/UFRJ, Amanda Moreira, o Doutor em Sociologia e Antropologia pela UFRJ, Marco Aurélio Santana, e o Doutorando em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPHR-UFRRJ), Thompson Clímaco.

Com a direção de Hirszman marcada por um estilo realista e documental, o filme conta a história da luta de classes no Brasil durante a ditadura militar numa linguagem direta e sem rodeios, sem dispensar o melodrama como solução para a aproximação do espectador. A história começa em um cinema, mostrando a volta para casa e o fim do entretenimento – ou, da alienação. No percurso, a realidade dos personagens vai sendo revelada e ao finalmente chegarem em casa temos um claro contraste da Avenida Paulista, por onde passaram; a face da São Paulo do desenvolvimento, que é sustentada pelos trabalhadores das fábricas; e do local para o qual estes trabalhadores retornam e chamam de lar. Com isto, o diretor abre a obra com uma mensagem explícita da inevitabilidade de confronto com a luta de classes, frente ao cenário político-social do Brasil.

O conflito central do filme é entre Otávio, o pai, e Tião, o filho. O pai encarna a figura da resistência, enquanto o filho a da passividade. O pai, tendo carregado nas costas uma longa história de opressão enquanto proletário, não vê outra escolha a não ser a ação grevista. Já Tião está à espera de seu primeiro filho, e adota uma atitude mais conservadora, embora compartilhe dos mesmos valores que seu pai. Desta forma, o cenário se divide entre a ordem e a justiça, o comodismo e a impaciência, nos levando tanto a compreender a atitude revolucionária quanto a nos compadecer com o conformismo. Esta dinâmica é também movimentada pelos afetos, uma vez que a motivação de Tião, apesar da desaprovação do pai, se dá pelo apreço que tem pela sua namorada e seu futuro filho – ou seja, pela sua nova família. É interessante pensar na construção deste personagem para pensar nos dilemas da luta sindical: a opção por se rebelar seria correr um risco, e o medo do risco é essencialmente um dos motores da opressão do capital. O constrangimento de abandonar ideais é superado pela ‘necessidade’ de se submeter ao sistema. Ao mesmo tempo, a causa sindical se revela, através do pai, para além da necessidade de reivindicações: um ideal moral e existencial.

No debate, refletimos o cinema como objeto de transformação social e o lugar do filme, tanto no momento em que foi lançado – dialogando com o próprio contexto e cenário no qual foi escrito -, quanto hoje em dia. Foram abordadas situações presentes no longa que se perpetuam: a violência policial seletiva aos corpos negros, a perda de direitos aceita com passividade sob o medo do desemprego – vide a defesa incansável da escala 6×1 nos últimos tempos – e relações de gênero exploradas a partir da dinâmica familiar dos protagonistas. Examinou-se também a capacidade parasita e opressora do capital através dos tempos, adaptando-se às novas demandas onde continua a se propagar, transformando-se de acordo com a dinâmica do novo tempo. Podemos perceber isto nos esforços do neoliberalismo para que a classe operária acredite numa “mentalidade de empresário”, abandonando sua identidade de trabalhador; na precarização do ensino e suas facetas (quando temos, de exemplo, formação de professores por ensino a distância), na uberização do trabalho e os efeitos alienatórios que sustentam uma falsa crença de liberdade através do individualismo.

No filme, Leon Hirszman constrói um cenário poderoso em que o pessoal e o social se fundem, revelando que essa divisão nunca existiu de fato. No núcleo familiar — espaço aparentemente local e privado —, desenvolve-se um drama profundamente humano, cujas fissuras ecoam uma problemática urgente e universal. É na intimidade do reconhecimento que nasce a aproximação capaz de gerar empatia e, por fim, libertação.

Texto:
Julia Facundo e Ana Carolina Gonçalves – extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem

Fotos:
Rosana Andrade Afonso – bolsista PIBIAC do projeto Pedagogias da Imagem
Gabriel Cid – coordenador do projeto Pedagogias da Imagem