Elefante: juventude, escola e violência

Manhã do dia 20 de abril de 1999. Columbine, Colorado. Columbine High School. 

Foram disparados, às onze horas e dezenove minutos, por dois estudantes da instituição, os primeiros tiros do episódio conhecido, mundialmente, como Massacre de Columbine. Apesar de não ser o caso inaugural do fenômeno denominado school shooting, esse foi pioneiro no sentido de conseguir suscitar – até hoje, duas décadas depois – discussões acerca das dinâmicas que permeiam a atividade escolar e das consequências que estas podem ter na vida pública da comunidade.

 Inspirado, então, por esse atentado, Gus Van Sant, diretor dos filmes Drugstore Cowboy (1989) e Paranoid Park (2007), idealizou e dirigiu Elefante (2003). Premiado com Melhor Diretor e Palma de Ouro, no Festival de Cannes, em 2003, o longa constrói, valendo-se de um formato que explora a desconstrução do tempo narrativo , o cotidiano, em alguns dias antecedentes ao massacre, de jovens estudantes de uma escola em Portland, Oregon.

Valendo-se da técnica mosca na parede, Van Sant coloca o público na posição de observador dos fatos acontecidos conforme o desenrolar da trama. Sob essa perspectiva quase voyeurerista, o cineasta oferece a oportunidade, até então, única de reflexão, partindo de diferentes pontos de vista, sobre o papel que cada indivíduo exerce nesse tipo de tragédia. Assim, percebe-se a adoção do discurso de que, em casos como esse não existe uma figura passível de carregar toda a culpa, mas, sim, um conjunto de fatores que devem ser analisados para que, se necessário, uma verdade sobre o ocorrido seja acordada.

Ainda a partir do ponto de observação, a questão central do filme é levantada: as relações de violência e poder estruturantes do ambiente escolar. Circula, de forma muito geral no imaginário popular, a ideia de que a violência entre alunos e professores é um fenômeno recente. No entanto, segundo Bernard Charlot, desde o século XIX, já eram observadas tensões na convivência entre esses dois grupos; o que pode ser lido – e, de fato, tem sido – como algo novo, segundo o autor, é a forma como essas disputas, ao sofrerem influência do contexto histórico no qual se inserem, têm se apresentado.

Para entender, então, as nuances desse complexo acontecimento, Charlot divide, da seguinte forma, a violência em situação escolar: violência na escola (ocorrida no espaço físico escolar), violência da escola (categoria destinada à agressão que possui o sentido autoridade-aluno) e violência à escola (que pode ser entendida quando a agressão possui o sentido aluno-autoridade). 

Usando, então, a teoria acima – aliada a estudos prévios sobre bullying, violência e suas consequências no ambiente escolar – para dar início às discussões sobre o school shooting, pode-se deduzir, superficialmente, que, muito mais do que fatores individuais – como um quadro de depressão, por exemplo -,  o tenso relacionamento, construído sobre um paradigma antiquado de poder autoritário, entre ambas as partes que compõem o ambiente acadêmico tem grande responsabilidade por rompantes revoltosos – em sua maioria, protagonizados por alunos – que, muitas vezes, terminam de forma trágica.

As questões levantadas em Elefante (2003) são, portanto, mais reflexivas do que assertivas, levando o público a olhar, não para o outro, em tom acusatório, mas para si, como quem examina-se, refletindo, diante dos fatos, sobre sua própria responsabilidade.

Esse e outros pontos serão tratados na próxima sessão do Cineclube da Faculdade de Educação, que exibirá o filme Elefante (2003), de Gus Van Sant, no dia 20/08, às 17h, no Auditório Manoel Maurício de Albuquerque (prédio do CFCH), no Campus da Praia Vermelha-UFRJ.

 Logo em seguida, a convidada Cristiana Carneiro – coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa na Infância e na Adolescência Contemporâneas (NIPIAC-UFRJ) e professora da Faculdade de Educação da UFRJ -, ministrará a palestra Adolescência hoje: qual o lugar para o mal-estar na escola? 

Redação:

Laura de Souza

-Extensionista do projeto Pedagogias da Imagem

A catadora de histórias, Agnès Varda

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Nesta terça-feira, 18 de junho, o Cineclube Pedagogias da Imagem fará a exibição do filme Os catadores e eu (Les Glaneurs et la Glaneuse, 2000), de Agnès Varda, às 17h no Auditório Manoel Maurício/CFCH. Em seguida haverá uma conversa com a pesquisadora Susana Oliveira Dias (Unicamp).

No filme, Agnès Varda parte do quadro As Respigadoras (1857), de Jean-François Millet, para uma viagem ao longo da França, a procura de pessoas que – assim como as mulheres retratadas na pintura – recolhem, de algum modo, o que o resto da população ignora ou joga fora. Neste documentário, Varda procura catadores – de objetos, histórias, vivências. 

Em documentários como este, as entrevistas constituem parte significativa da obra. A entrevista, no entanto, pode ser entendida como um meio de se conhecer (e se afetar) pelo outro. Em A Miséria do MundoPierre Bourdieu já criticava os entrevistadores que se propõe não-interventores, ou seja, que se pretendem como não influenciadores e não influenciados por esta prática; também condenava aqueles que desejam um destaque maior que seu entrevistado, ao tentar antever sua fala e impor para seu interlocutor – ainda que de maneira implícita – a sensação de que há respostas certas e erradas.

Agnès Varda não incorre nestes vícios, pelo contrário, desvela novas potências dos encontros entre imagens, ideias e personagens. Em Os catadores e eu, a diretora transforma um método por vezes fechado, em uma conversa aparentemente sem pretensão entre pessoas que se encontram. A voz em off também é ponto de destaque nesta obra: a narração de Varda não é distante ou indiferente, pelo contrário, ela passa uma sensação de abertura, que convida seu público a se prender no filme.

Após a exibição do filme, teremos a alegria de receber a doutora em educação pela Unicamp, Susana Oliveira Dias, para a palestra Cinema, Mesopolítica e Antropoceno – Experimentos em Ecologias de Práticas e Afetos Vitais com Agnès Varda. Susana é editora da revista ClimaCom e pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (Labjor/Unicamp). 

Venham e divulguem! A entrada é franca. Acesse aqui o link para o evento no Facebook. A sessão está aberta também para receber professores com seus estudantes. Para reservar vagas de turmas, entre em contato conosco pelo email: pedagogiasdaimagem@gmail.com

 

Redação:

José Augusto Bastos

Luana Maia

– Extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem

XXY, um filme de Lucía Puenzo no Cineclube

Na terça-feira, dia 28 de maio, o Cineclube Pedagogias da Imagem exibiu o filme XXY, da diretora argentina Lucía Puenzo. Após a sessão, a conversa foi com Simone Perelson, doutora em psicanálise pela Université Paris Diderot e professora da Escola de Comunicação da UFRJ, com a palestra Sexualidades, corpos e nomes na psicanálise.

A professora, em sua palestra, falou muito da complexa estruturação social da identificação opositiva homem/mulher. Ela relatou que Freud tem certa dificuldade em explicar como a feminilidade é construída , uma vez que ambos – homem e mulher – seriam resultados do Complexo de Édipo. Porém, essa explicação, segundo o psicanalista, não seria suficiente para compreender a concepção da feminilidade. Como forma de buscar entender mais sobre essa construção, a professora contou que Freud passou a se interessar pela teoria da bissexualidade originária – estudo do médico Dr. Flis, com quem trocou cartas em sua juventude.

Perelson também justificou a escolha do filme por ser uma produção real, que não se propõe a apresentar início, meio e fim de forma fechada. Com um assunto muito delicado e uma discussão complexa, trata de uma singularidade e uma vivência, que não necessariamente termina com uma escolha binária. A principal reflexão do filme acaba sendo “E se não tiver nada para escolher?” – indagação feita por Alex em uma conversa com o pai.

Sobre a intersexualidade, é entendido que ainda é uma questão complexa para a psicanálise. Os estudos de base não trataram este assunto de forma explícita, e por mais que Freud já questionasse certos padrões impostos, é necessário avançar para dar conta das realidades cada vez mais aparentes na sociedade, fugindo de definições universais, imóveis ou que se baseiem apenas em “um ou outro.”

A próxima sessão do Cineclube Pedagogias da Imagem ocorrerá no dia 18 de Junho, com a exibição do filme “Os Catadores e eu”, de Agnès Varda e palestra de  Susana Dias, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (Labjor/Unicamp)

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Redação:

José Augusto Bastos

Luana Maia

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Binaridade: um apagamento de corpos

Na próxima terça-feira, dia 28 de maio, o cineclube Pedagogias da Imagem fará a exibição do longa XXY (Argentina/Espanha/França, 2007) da diretora Lucía Puenzo, às 17h, no Auditório Manuel Maurício/CFCH. Em seguida, haverá uma conversa sobre o filme com a professora Simone Perelson.

O filme retrata a história de Alex, uma criança intersex, ou seja, que nasceu com ambos os órgãos sexuais. Com o objetivo de resguardá-la de uma possível violência médica, que representaria uma tentativa de enquadrá-la em um dos biotipos sexuais, seus pais saem da Argentina para viver no interior do Uruguai. No entanto, esse microcosmo de segurança é questionado com a visita de amigos da família.

A principal reflexão trazida pelo filme pode ser perfeitamente representada pela fala de Alex: “…e se eu não tiver nada para escolher?” Isso se origina a partir da imposição de uma binaridade discursiva que tenta cercear a totalidade de sua identidade, forçando-a em um molde social. Dessa forma, o filme nos proporciona um vislumbre desses corpos apagados e também um questionamento acerca da ética médica de profissionais que ajudam a silenciá-los.

A diretora argentina, Lucía Puenzo, é conhecida por trazer, em seus filmes, um foco sobre a infância e a adolescência. Ela busca, por meio desse olhar “em formação”, abordar questões que põem em cheque os modelos heteronormativos de desenvolvimento. Puenzo iniciou seu trabalho na indústria cinematográfica como roteirista dos filmes Historias cotidianas (2000) e La puta y la ballena (2003). O filme XXY representa sua estreia como diretora.

Após a exibição do filme, teremos o prazer de receber a doutora em psicologia pela Université Paris Diderot, Simone Perelson, para a palestra Sexualidades, corpos e nomes na psicanálise. Perelson é professora da Escola de Comunicação da UFRJ e do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ. A entrada é franca.

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Redação:

Camila Carneiro

Julia Stallone

-Extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem

A suspensão da verdade: quando o falso se transmuta em arte

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Na terça-feira, dia 30 de abril, o Cineclube Pedagogias da Imagem exibiu o filme Verdades e Mentirasdo diretor Orson Welles. Após a sessão, a conversa foi com Alexandre Mendonça, doutor em filosofia pela UFRJ, graduado em Comunicação Social pela UFF, com a palestra Para além de verdade e mentira: considerações sobre as potências do falso.

O professor iniciou a palestra discutindo o papel da arte na criação de um discernimento das artimanhas que se dissimulam no mundo. Fazendo um paralelo com o filme exibido, que desdobra em si questionamentos que desconstroem os conceitos de falso e de aparência, a arte seria, como citado no filme, “uma mentira que nos faz ver a verdade.” Essa perspectiva se alinha, ao mesmo tempo, à abordagem do filósofo Friedrich Nietzsche acerca de uma verdade universal e às mudanças na construção cinematográfica que originam o cinema moderno. Mendonça aponta dois grandes aspectos que permeiam essa transição, sendo eles: descrição da câmera não se apoiando mais na realidade em oposição à aparência e uma narração que deixa de aspirar ao ideal de verdade. A trajetória de Welles compõe uma representação desse panorama. O próprio Verdades e Mentiras explora imagens de sua montagem e de sua gravação, rompendo a ‘quarta parede’ e expondo seu caráter de criação artística.

Em seguida, o palestrante destaca como o filme desconstrói a figura do especialista em arte. Ao retratar a maneira como os falsários – seu personagem Elmyr, por exemplo – se utilizam das regras do mercado de arte para driblar modelos, Welles suspende o ideal de verdade. Isso acontece porque, teoricamente, eles seriam detentores do poder de decisão acerca do que pode ser enquadrado como arte e, ao serem enganados, o peso da verdade que trazem em si é esvaziado. Dessa forma, sua credibilidade cede lugar a um questionamento que põe em cheque suas qualificações para determinar as obras a serem expostas em grandes museus. Relembrando a trajetória de Elmyr na narrativa, cujos quadros originais foram rechaçados, enquanto os falsos renderam milhões, o professor propõe uma pergunta: se são bons quadros de Picasso, por que perderiam seu valor quando descobre-se não serem de Picasso? É exatamente essa perspectiva que é escancarada pelo filme, demonstrando que essa detenção da verdade universal sobre o belo e sobre a arte é, em si, falsa.

Por fim, desdobrou-se, na discussão, a questão das potências do falso, um conceito do filósofo Gilles Deleuze. Esse prisma ganha força no contexto apresentado acima, em que os sistemas de julgamento são suspensos, expondo, assim, as falsificações como criações artísticas. Tal perspectiva surge a partir das considerações de que por trás dessas obras, também existe uma história, uma vida que pulsa em cada pincelada. Dessa forma, a divisão expert-falsário-artista é quebrada, visto que o modelo é falso e o falsário se transfigura em artista.

A palestra com o doutor Alexandre Mendonça proporcionou novas formas de se pensar as questões expostas pelo filme. Fica clara a linha tênue que permeia as divisões entre arte e falsificação, verdade e mentira, realidade e aparência. Desse modo, foi possível perceber a importância da arte como antídoto para a inocência que temos frente à verdade.

A próxima sessão do Cineclube Pedagogias da Imagem ocorrerá em maio. Acompanhe nossas redes sociais para ficar por dentro dos nossos eventos.

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Redação:

Camila Carneiro 

Julia Stallone 

– Extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem

Orson Welles no cineclube

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Na terça-feira, dia 30 de abril, o Cineclube Pedagogias da Imagem fará a exibição do filme Verdades e mentiras (F for fake, 1973), do diretor Orson Welles, às 17h no Auditório Manoel Maurício/CFCH. Em seguida, haverá uma conversa sobre o filme com o professor Alexandre Mendonça.

Sendo o último filme completo dirigido por Orson Welles, Verdades e mentiras gira em torno da história de Elmyr – um pintor de quadros falsos que vende suas produções para museus famosos como se fossem legítimas, enganando toda a comunidade artística – e Clifford Irving – conhecido por ter feito uma das maiores falsificações da década de 70, quando escreveu uma biografia fraudulenta de Howard Hughes, um dos maiores ícones estadunidenses do século XX.

No começo do longa, Welles quebra a quarta parede para explicar a temática do filme: “É sobre trapaça e fraude. Sobre mentiras.” e apresenta os dois personagens principais, tendo depoimentos e histórias intercaladas, conduzindo o filme em forma de documentário, com  quebras constantes da narrativa e da expectativa de continuidade, que nos faz pensar nas nossas noções de arte, seu valor e “aura” e como somos seduzidos pela mentira. Entre as histórias dos dois fraudulentos, o diretor consegue fazer um resumo da sua carreira, em uma sequência-chave da própria filmografia, contando partes de sua vida, o que torna a produção extremamente pessoal e até íntima.

Orson Welles ganhou fama em 1938, por interromper a programação da rádio em que trabalhava para fazer a transmissão de uma invasão extraterrestre que estaria acontecendo naquele exato momento. Na verdade, Welles estava fazendo uma adaptação radiofônica à obra de Herbert George Wells, A Guerra dos mundos – nome atribuído, posteriormente, a este episódio marcante da história do rádio. O que deveria ser uma pegadinha nas vésperas do Halloween, acabou causando um grande alvoroço; há relatos, inclusive, de diversos espectadores que acreditaram na suposta invasão. A alta credibilidade dada ao rádio na época, somado ao fato da narração de Welles ter sido feita com características de uma fala jornalística, facilitaram a aceitação, por parte do público, da narração como um relato verdadeiro, o que causou pânico em parte dos ouvintes.

No cinema, Welles ficou conhecido por seu trabalho como diretor, ator e roteirista do filme Cidadão Kane, de 1941. O longa, inspirado na vida de um poderoso nome da mídia americana na época, foi uma inovação sob diversos aspectos cinematográficos: usos das câmeras, fotografia, roteiro – que apresenta uma narrativa não cronológica, a partir da curiosidade acerca do significado de “Rosebud”, última palavra dita por Kane antes de sua morte – e apresentação de um personagem exemplo da caricatura americana do “self made man”. Cidadão Kane foi indicado a nove categorias do Oscar, mas ganhou apenas uma: Melhor Roteiro Original, para Orson Welles. O que não impediu o diretor de ser reconhecido mundialmente, tendo seu primeiro longa sido, inclusive, eleito como “melhor filme de todos os tempos”, em uma votação de cineastas e críticos, promovida pelo Instituto de Cinema Britânico.

Após a exibição, teremos o prazer de receber Alexandre Mendonça, doutor em filosofia pela UFRJ, para a palestra Para além de verdade e mentira: considerações sobre as potências do falso. Graduado em Comunicação Social pela UFF, hoje atua como professor da Faculdade de Educação da UFRJ.

Em tempos de fake news, a sessão será um prato cheio para conversas e reflexões, na companhia do provocador documentário de Welles, que reflete sobre as relações entre mentira e verdade na construção de narrativas, informações, valores, e especialmente sobre o papel da arte e sua relação com a vida.  

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Redação:

José Augusto Bastos

Luana Maia

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Jovens negros e excepcionalidade: as constantes renovações do racismo

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Na terça-feira, dia 26 de março, na sessão atrelada à campanha “21 dias de ativismo contra o racismo”, foi exibido o filme Estrelas além do tempo do diretor Theodore Melfi. Após a sessão, a conversa foi com Janete Ribeiro, mestre em educação pela UFF, pesquisadora e professora da Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch, com a palestra Uma outra história a ser contada.

Já no início do debate, Janete afirmou que o direito de sonhar é negado aos jovens negros. A fim de reforçar sua fala, a professora dividiu um pouco de sua trajetória como mulher negra nos espaços de saber, ressaltando como exemplo sua vivência como adolescente em uma escola pública e, posteriormente, na universidade de ciências exatas. Ela contou que, no período em que cursava o Ensino Médio, um dos professores perguntou à turma quais alunos tinham interesse em ingressar em uma faculdade. Logo após a resposta, afirmou que nenhum deles conseguiria. Completou se voltando às meninas, sugerindo que elas conseguiriam, no máximo, entrar para a faculdade de Letras, caso contrário poderiam buscar um marido engenheiro.  Tal fala instigou ainda mais Janete em sua vontade de entrar para uma universidade pública. No ano de seu vestibular, ela passou para o curso de matemática na UFRJ, em um dos anos mais concorridos, uma vez que era a porta de entrada para uma nova profissão que surgia, a informática.

Já no ambiente universitário, em 1981, um professor, ao ouvir dela que era oriunda de escola pública, disse, quase diretamente à Janete, que naquele curso não se nivelava “por baixo”, e quem não possuísse a base que ele julgava necessária deveria “dar um jeito” para acompanhar as aulas. Com essa fala e ao longo de sua vivência no curso, a professora percebeu que o discurso de “neutralidade” das ciências exatas era raso, superficial e levava em conta inúmeros preconceitos de classe, cor e gênero. Acabou largando o curso em 1984, mas permanece reafirmando a importância da mulher negra na ciência.

Com isso, a professora direcionou a discussão para o filme e as vivências das três mulheres apresentadas nele. Katherine, Mary e Dorothy eram mentes brilhantes, mas sofriam constantemente com o contexto racista e machista da época. De acordo com Janete, pessoas negras tinham – e ainda têm – a necessidade de serem excepcionais para conquistar a aceitação social e profissional.  A professora salientou que, embora a importância de mulheres como as três personagens seja imensurável, há uma armadilha na supervalorização da excepcionalidade, para qual deve-se chamar atenção: a professora afirma que negros e negras, para serem visíveis, precisam ainda ser extraordinários, precisam “doar seu sangue” em busca de reconhecimento, seja de seu talento, sua carreira ou mesmo de sua própria existência. Ou seja: corpos negros, em especial corpos negros femininos, são invisíveis em espaços como o retratado no filme. É exigido desses corpos, para que sejam vistos e notados – ainda que não respeitados –, a excepcionalidade. 

Outro ponto discutido na palestra foi a constante renovação do racismo inscrita na sociedade. No lugar de entender o racismo como algo inscrito no passado escravocrata do nosso povo, é preciso entender as diferentes formas pelas quais ele se atualiza e se renova, tornando-se independente de uma localização temporal e espacial. Assim como em Estrelas além do tempo os números para os cálculos de Katherine eram alterados diariamente, impedindo-a de avançar em seu trabalho – e sem que ela pudesse estar a par deles, como alguns dos homens brancos ao seu redor –, o racismo se atualiza cotidianamente.

A conversa com Janete Ribeiro possibilitou uma reflexão sobre os obstáculos postos a cada dia na vivência de pessoas negras, chamando atenção especial para as barreiras às quais vão de encontro jovens negros e negras estudantes de escolas públicas. Foi uma palestra importante para marcar o encerramento da campanha “21 dias de ativismo contra o racismo“ e que impulsionou a certeza de que o combate ao racismo deve permanecer sendo feito todos os dias, e não somente em datas fixadas no calendário.

A próxima sessão do Cineclube Pedagogias da Imagem ocorrerá em abril. Acompanhe nossas redes sociais para ficar por dentro dos nossos eventos.

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Redação:

José Augusto Bastos

Luana Maia

Extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem

O Cineclube retorna com suas atividades em 2019

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Na próxima terça-feira, dia 26 de março, o cineclube Pedagogias da Imagem fará a exibição do longa Estrelas além do tempo (Hidden figures – Estados Unidos, 2016) do diretor Theodore Melfi, às 17h no Auditório Manoel Maurício/CFCH. Logo depois, haverá uma conversa sobre o filme com a convidada Janete Ribeiro.

Sendo uma sessão atrelada à campanha “21 dias de ativismo contra o racismo”, o drama baseado no livro Hidden Figures, da autora Margot Lee Shetterly – que também escreveu o roteiro do filme – se passa em 1961, no contexto da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. Com o pano de fundo da corrida espacial entre esses dois países, o longa chama atenção para a grande desigualdade racial dos EUA, que se reflete dentro da própria NASA. Nesse contexto, são apresentadas as três primeiras matemáticas negras: Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), que são obrigadas a trabalhar separadamente das pessoas brancas. Com isso, além de terem que provar seu valor constantemente, lutam contra o preconceito para ascenderem na carreira.

Com uma grande produção mostrando a importância de pessoas negras na comunidade científica, Estrelas além do tempo foi indicado para três categorias do Oscar: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz Coadjuvante para Octavia Spencer, que já tinha ganhado o mesmo troféu pelo seu papel em Vidas Cruzadas. O filme venceu o SAG Awards na categoria Melhor Elenco em Cinema, além de prêmios no Hollywood Film Awards e no Satellite Awards.

Theodore Melfi, que também dirigiu St. Vicent no início de sua carreira, revelou em entrevista que conviveu muito com a violência na família, já que seu pai era um ex-mafioso. Disse também que cresceu odiando qualquer vestígio de injustiça – assunto muito explorado em sua nova obra.

Após a exibição, teremos o prazer de receber Janete Ribeiro, mestre em educação pela UFF, para uma conversa na palestra Uma outra história a ser contada. Bacharel e licenciada em História, também pela Universidade Federal Fluminense, Janete Ribeiro possui especialização em Educação com aplicação da Informática (UERJ – EDAI). Atualmente leciona na Educação de Jovens e Adultos no ISERJ e na Escola Técnica Municipal Adolpho Bloch, além de ser pesquisadora associada ao Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras (UFRJ).

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Redação:

José Augusto Bastos

Luana Maia

– Extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem

Circuito libidinal e novas equivalências da Casa Grande

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Na terça-feira, dia 27/12, encerramos a temporada 2018 do Pedagogias da Imagem, cineclube da Faculdade de Educação da UFRJ, com a exibição do filme Corra! (2017), do diretor Jordan Peele. Após a sessão, Bernardo Oliveira, doutor em Filosofia pela PUC-Rio e professor da Faculdade de Educação da UFRJ, realizou a palestra Economia libidinal e incêndio na Casa Grande.

Bernardo Oliveira convidou o público a pensar o longa sob o ponto de partida da libido, visto que toda a questão de Corra! decorreria de uma suposta abundância libidinal percebida no corpo do personagem principal. Mas o que seria a libido? Oliveira a apresentou como uma potência, uma energia propulsora dos instintos de vida. A partir dessa ideia, o diálogo se desenvolveu sob a observação do modo como o longa retrata a constante apropriação e expropriação da libido dos corpos negros.

Para entender melhor, Oliveira fez uma distinção entre a ideia de poder a e ideia de potência. A potência seria aquilo que um corpo pode, tudo aquilo que um corpo pode quando investe seus instintos numa produção vital. Por outro lado, o poder compreende uma estruturação social que pode inclusive se beneficiar da violência. Ele trouxe para a discussão a obra Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. Podemos, então, dizer que o poder é visto em mãos da Casa Grande, porém a potência a ser explorada (pela Casa Grande) vem de Chris, o protagonista.

O professor também mencionou elementos das obras de Sigmund Freud e Jean François Lyotard, a fim de buscar colaborações para a conversa acerca do filme e suas questões. Freud pensa a economia libidinal como base das relações entre consciente e inconsciente. A partir de uma perspectiva médica, científica, Freud busca compreender os mecanismos dessa economia interna através da qual um indivíduo investe sua força vital em atividades, saberes e conhecimentos que estruturam a vida. No entanto, ele também aborda o que devemos perder em termos de libido, de investimento vital, para nos adequarmos às exigências de processos hegemônicos de socialização e individuação.

Décadas mais tarde, o filósofo francês Lyotard escreve o livro Economia libidinal, no qual toma a temática como um elemento capaz de oferecer uma interpretação mais completa do processo de acumulação e divisão de classes, característico do capitalismo. Haveria a substituição da noção de que o capitalismo se fundamenta na produção de mercadorias pela ideia de que o capitalismo se fundamenta muito mais na circulação libidinal, na qual a produção é condicionada pela circulação de vontades, demandas e instintos.

Em decorrência, Lyotard diz que o capital captura a força e a converge em trabalho medido pelo relógio. A força do corpo libidinal do operário, do escravo, tal qual um animal de tração, é expropriada como uma máquina – lembrando que a máquina é sempre uma propriedade de alguém. Dessa forma, mais do que explorar a força de trabalho em vista de obtenção de maiores margens de lucro, o capitalismo impõe uma administração, uma economia da contenção e da regulação das forças substanciais e superabundantes, para que se transformem em força trocável, maleável, adaptável, regulando a circulação de energia libidinal ao mínimo das perdas e ao máximo dos lucros.

Embora a fachada da “Casa Grande” exibida em Corra! seja essencialmente liberal, há em seus porões um aparato técnico-científico escondido, capaz de fazer a extração da força libidinal segundo o interesse do consumidor branco. Revelam-se, aqui, as tensões entre o capitalismo e a ciência. Na economia libidinal, a moeda não está reduzida ao dinheiro, mas às trocas e equivalências que ocorrem no “Circuito libidinal”. Esse processo se dá pela ligação de duas ferramentas: o sistema capitalista (que poda a libido a fim de torná-la operacional) e a ciência (aparato capaz de realizar a contenção e conversão do corpo, como nas práticas da eugenia). Desse modo, o longa propõe, de acordo com Bernardo, uma nova perspectiva em que a Casa Grande não é mais retratada como um elemento em torno do qual circula todo o fator produtivo do capitalismo: ela agora é retratada como uma espécie de filtro que vai reter somente aquilo que seus consumidores desejam.

Além disso, o filme de Peele apresenta personagens que encarnam de modo estratégico a perspectiva de uma conciliação racial, que fora apontada por Gilberto Freyre em sua análise do contexto brasileiro. Temos personagens que se esforçam constantemente para não parecerem racistas, que não desejam a segregação, mas são regidos justamente pela ideia de posse, agindo como proprietários da libido do corpo negro. Para marcar o contraste entre épocas, Bernardo fez uma comparação com o filme Django Livre (2012), de Quentin Tarantino, que se passa no século XIX nos EUA, sinalizando que Corra!, ao contrário daquele, não é um filme do passado, já que ele atualiza os elementos do racismo. Curiosamente, ambos os finais dos filmes trazem a representação de uma Casa Grande em chamas. Contrapondo Gilberto Freyre, Bernardo apontou que esta seria a imagem de que não há conciliação no horizonte.

Desse maneira, com o auditório lotado e um debate movimentado por um público bastante interessado, encerramos a temporada 2018 do cineclube Pedagogias da Imagem. Agradecemos pela presença de todos e todas ao longo do ano. Esperamos vocês para mais sessões e palestras no ano que vem! Continuem ligados no blog e nas nossas redes sociais para mais informações, matérias e conteúdos ligados aos temas do projeto.

 

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Boas festas!

 

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Redação:

Letícia Caroline

Luana Maia

– extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem

Contrapedagogia e a cinematografia godardiana

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Na terça-feira, dia 2 de outubro, na sessão que deu início ao mês de comemoração dos 50 anos da Faculdade de Educação, foi exibido a produção Filme Socialismo, do grande cineasta franco-suíço, Jean-Luc Godard. Após a sessão, a conversa foi com Jorge Vasconcellos, doutor em Filosofia pela UFRJ e professor no programa de pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes da Universidade Federal Fluminense (PPGCA/UFF), com a palestra contrapedagogia da imagem e política da arte.

Jorge afirma que “Godard está em lugar ímpar”. Em suas produções, a construção de sentido deve ser costurada pelo próprio espectador, de forma a fazê-lo pensar. Uma das características específicas do cineasta é que em suas obras não há metáfora, os elementos são representados de forma literal. Além disso, o uso de ironia é considerado como uma “arma” típica de suas produções. Desta forma, a cinematografia godardiana seria de difícil adjetivação, pois ela não serve para ser boa ou ruim, mas sim para cumprir seu objetivo de fazer pensar. Logo, a escolha do título do filme não é uma síntese da obra, mas algo que estimula o pensamento.

A partir desta perspectiva, a conversa se seguiu para a construção imagética do filme, feita com base em uma profusão de imagens que já são, por si só, uma espécie de confronto com o espectador. A pluralização de formatos e utilização de imagens distorcidas, estratégias que nos inquietam, são algumas das portas para se pensar o filme. Em Godard, deve-se pensar essa violência de forma positiva, isto é, nos tirando de uma posição de conforto.

Para além da imagem, Filme Socialismo também serve de exemplo para uma percepção da abordagem, dada por Godard, ao som. Este, que muitas vezes parece ser incompatível com a cena apresentada, é, na verdade, uma ferramenta para a construção de uma não linearidade narrativa. O que, para Jorge, pode produzir uma contrapedagogia da imagem.

E o que seria essa contrapedagogia que discutimos? Jorge Vasconcellos explica que ela consiste, especialmente em Godard, em uma outra forma de abordar a imagem, revertendo seus pressupostos fundamentais. Assim, uma imagem não se prenderia a um significado específico e o conjunto das imagens em um filme não precisaria contar uma historia planificada. A contrapedagogia é, então, uma tentativa de ver, ouvir e pensar o filme sob outros lugares.

Portanto, a conversa proporcionou uma boa discussão acerca da construção imagética em Godard e as questões de pedagogia e contrapedagogia da imagem, enriquecendo assim as celebrações dos 50 anos da Faculdade de Educação da UFRJ.

Já no mês de novembro, o Cineclube Pedagogias da Imagem discutirá o racismo através da abordagem cinematográfica, com o filme Corra!, do diretor americano Jordan Peele, que será exibido no dia 27/11, às 17 horas, no Campus da Praia Vermelha, no Auditório Manoel Maurício. Após a exibição, será apresentada a palestra Economia libidinal e incêndio na Casa Grande, com o convidado Bernardo Oliveira, doutor em Filosofia pela PUC-Rio, pesquisador, crítico de música e cinema e produtor, professor da Faculdade de Educação da UFRJ e colaborador do GEM — Grupo de Educação Multimídia (FL/UFRJ) e do LISE — Laboratório do Imaginário Social e Educação (FE/UFRJ). Todos estão convidados para o mês dedicado a questões raciais do cineclube!

Redação:

Jeniffer Cavalcanti e Luana Maia – extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem