
Manhã do dia 20 de abril de 1999. Columbine, Colorado. Columbine High School.
Foram disparados, às onze horas e dezenove minutos, por dois estudantes da instituição, os primeiros tiros do episódio conhecido, mundialmente, como Massacre de Columbine. Apesar de não ser o caso inaugural do fenômeno denominado school shooting, esse foi pioneiro no sentido de conseguir suscitar – até hoje, duas décadas depois – discussões acerca das dinâmicas que permeiam a atividade escolar e das consequências que estas podem ter na vida pública da comunidade.
Inspirado, então, por esse atentado, Gus Van Sant, diretor dos filmes Drugstore Cowboy (1989) e Paranoid Park (2007), idealizou e dirigiu Elefante (2003). Premiado com Melhor Diretor e Palma de Ouro, no Festival de Cannes, em 2003, o longa constrói, valendo-se de um formato que explora a desconstrução do tempo narrativo , o cotidiano, em alguns dias antecedentes ao massacre, de jovens estudantes de uma escola em Portland, Oregon.
Valendo-se da técnica mosca na parede, Van Sant coloca o público na posição de observador dos fatos acontecidos conforme o desenrolar da trama. Sob essa perspectiva quase voyeurerista, o cineasta oferece a oportunidade, até então, única de reflexão, partindo de diferentes pontos de vista, sobre o papel que cada indivíduo exerce nesse tipo de tragédia. Assim, percebe-se a adoção do discurso de que, em casos como esse não existe uma figura passível de carregar toda a culpa, mas, sim, um conjunto de fatores que devem ser analisados para que, se necessário, uma verdade sobre o ocorrido seja acordada.
Ainda a partir do ponto de observação, a questão central do filme é levantada: as relações de violência e poder estruturantes do ambiente escolar. Circula, de forma muito geral no imaginário popular, a ideia de que a violência entre alunos e professores é um fenômeno recente. No entanto, segundo Bernard Charlot, desde o século XIX, já eram observadas tensões na convivência entre esses dois grupos; o que pode ser lido – e, de fato, tem sido – como algo novo, segundo o autor, é a forma como essas disputas, ao sofrerem influência do contexto histórico no qual se inserem, têm se apresentado.
Para entender, então, as nuances desse complexo acontecimento, Charlot divide, da seguinte forma, a violência em situação escolar: violência na escola (ocorrida no espaço físico escolar), violência da escola (categoria destinada à agressão que possui o sentido autoridade-aluno) e violência à escola (que pode ser entendida quando a agressão possui o sentido aluno-autoridade).
Usando, então, a teoria acima – aliada a estudos prévios sobre bullying, violência e suas consequências no ambiente escolar – para dar início às discussões sobre o school shooting, pode-se deduzir, superficialmente, que, muito mais do que fatores individuais – como um quadro de depressão, por exemplo -, o tenso relacionamento, construído sobre um paradigma antiquado de poder autoritário, entre ambas as partes que compõem o ambiente acadêmico tem grande responsabilidade por rompantes revoltosos – em sua maioria, protagonizados por alunos – que, muitas vezes, terminam de forma trágica.
As questões levantadas em Elefante (2003) são, portanto, mais reflexivas do que assertivas, levando o público a olhar, não para o outro, em tom acusatório, mas para si, como quem examina-se, refletindo, diante dos fatos, sobre sua própria responsabilidade.
Esse e outros pontos serão tratados na próxima sessão do Cineclube da Faculdade de Educação, que exibirá o filme Elefante (2003), de Gus Van Sant, no dia 20/08, às 17h, no Auditório Manoel Maurício de Albuquerque (prédio do CFCH), no Campus da Praia Vermelha-UFRJ.
Logo em seguida, a convidada Cristiana Carneiro – coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa na Infância e na Adolescência Contemporâneas (NIPIAC-UFRJ) e professora da Faculdade de Educação da UFRJ -, ministrará a palestra Adolescência hoje: qual o lugar para o mal-estar na escola?
Redação:
Laura de Souza
-Extensionista do projeto Pedagogias da Imagem