No dia 5 de novembro, o Cineclube Pedagogias da Imagem se reuniu para a última sessão do ano com a exibição do longa Ela (Her), de Spike Jonze, seguida da palestra Inteligência artificial: entre promessas futuras e realidades presentes, com a antropóloga Carolina Parreiras.
O filme não mede esforços em nos aproximar do protagonista, Theodore, que passa pela dolorosa separação de sua parceira, Catherine. Ele é do começo ao fim um homem inegavelmente solitário. Vemos isto nas tantas cenas em que ele anda pelas ruas por conta própria, em direção contrária às outras pessoas, dando a ideia de não reconhecimento e estranhamento em relação a quem ou o quê está ao seu redor; nos momentos em que ele interage com o casal de amigos, Paul e Amy, eles nunca estão presentes no mesmo corte, evidenciando sua solidão.
Outro fator que colabora para esta imagem é a fotografia da obra – assinada por Van Hoytema. Ele a colore em tons quentes, nos convencendo à empatia e, ao mesmo passo, quase faz com que entremos na história e assumamos o papel do protagonista, tomando exatamente as mesmas atitudes dele, tão mergulhados em uma compreensão que antes parecia impossível: quem diria que uma obra cinematográfica seria capaz de nos convencer a amar um sistema operacional?
Samantha, encantadora a princípio – só por simplesmente carregar a voz de Scarlett Johansson -, não demora muito para nos fazer levantar dentro de nós questionamentos acerca dos limites da tecnologia e do indivíduo, tão banhada de humanidade que chega a aproximar as duas coisas de maneira que, de vez em quando, por descuido, as enxergamos como uma só. Ela se prova digna de um voto de confiança quando traz indagações quase tão velhas e perpétuas quanto o tempo em que estamos neste mundo, como a questão da consciência e corporeidade: penso, logo existo. Por que isso não serviria para ela?
Esta obra especulativa com certeza foi semente de um intenso debate, que foi da exploração do caráter benéfico ou prejudicial da tecnologia, em relação com o problema da solidão. Podemos nos perguntar se as coisas são mesmo tão simples assim: será que a tecnologia é mesmo uma grande vilã, ou estamos distraídos demais para enxergar a quem realmente pertence a culpa? Pensamos sobre os contextos em que ela se origina e circula, o que nos permite entender que nem mesmo sua extinção impediria a alienação e todas as consequências que lhe sucedem.
Além disso, no debate, tivemos reflexões sobre o quão atual é o filme, apesar de ter sido produzido há pouco mais de dez anos. Quem sai de casa hoje sem seu smartphone? Ou melhor, quem não sente, de vez em quando, que este dispositivo é como a nossa casa, com todas as coisas belas aos nossos olhos, as músicas que amamos, todos os contatos que nos interessam… Fazemos dele um armazenamento de quem somos e cada vez ele nos conhece mais. É a partir desta confiança que nele depositamos que são gerados, por sua vez, anúncios capazes de seduzir, a ampliação da publicidade e da vigilância, uma manobra de aproximação que não se difere muito da de Samantha. Não é como se estivéssemos cotidianamente conferindo uma vida ao nosso aparelho? Afinal, quão diferente somos de Theodore? Não estaríamos todos experienciando um pouco a solidão e suas estranhas soluções à nossa disposição?
Mas não percamos o foco: Her é, acima de tudo, uma história de amor transumanista e humanista ao mesmo tempo: primeiro, nos provoca esta imersão e identificação, para depois provar a nossa natureza complexa e o reflexo dela em nossas relações interpessoais; as múltiplas possibilidades do romance como múltiplas possibilidades humanas, mas acima de tudo o reconhecimento de uns nos outros por meio da solitude.
Texto:
Julia Facundo – extensionista do projeto Pedagogias da Imagem
Fotos:
Carolina Moreira – extensionista do projeto Pedagogias da Imagem