Um necessário ato político de Ken Loach – Sessão de Abril de 2022

Na última terça-feira de abril, dia 26, o Cineclube Pedagogias da Imagem promoveu uma conversa on-line através de uma live na página do Facebook da Faculdade de Educação da UFRJ sobre o filme Você não estava aqui (2020), do diretor britânico Ken Loach, abordando questões atuais sobre a precariedade das condições de trabalho e a maneira como a vida dos trabalhadores é afetada pelo trabalho no mundo capitalista. A conversa contou com a presença do convidado José Ricardo Ramalho, professor titular do Departamento de Sociologia do IFCS/UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGSA-UFRJ), além de autor de livros sobre sociologia do trabalho. 

Dividida em duas partes, a conversa com o professor focou, primeiramente, na representação de elementos das mudanças do mundo do trabalho nos tempos atuais, tratadas cuidadosamente no filme pelo diretor Ken Loach, e, mais adiante, foca na narrativa, na história da cidade na qual o filme se passa e nos personagens do filme, explicitando como as ações e dificuldades enfrentadas pelos personagens vão intensificando-se ao longo do filme, conduzindo a história para um final impactante, o que é comum nos filmes do diretor. Ramalho explora as relações de trabalho presentes na história do filme, os aspectos da precarização e “plataformização” do trabalho e os subempregos vendidos como “empreendedorismo”, bem como a maneira como o trabalho afeta todos os outros aspectos da vida de um trabalhador como o personagem principal, Ricky Turner, e de sua família.

O professor José Ricardo Ramalho apresenta detalhes da vida do diretor do filme, Ken Loach, a fim de uma melhor compreensão sobre o contexto socioeconômico em que o diretor está inserido e sua origem familiar, nos apresentando um background que faz com que toda sua filmografia seja crítica em relação ao capitalismo e às relações de trabalho dentro desse sistema, trazendo uma sensibilidade narrativa e estética extremamente íntima e fiel de alguém com origem na classe operária inglesa, o que pode ser percebido, inclusive, na escolha de atores e atrizes também oriundas da classe trabalhadora.

O filme de Ken Loach se faz muito atual e relacionável com o cenário do mundo do trabalho, inclusive o cenário brasileiro, no qual crescem cada vez mais os trabalhos informais e as plataformas online de serviços como compras e entregas, assegurando pouco ou nenhum direito trabalhista ou de fiscalização, possibilitando a exploração de pessoas e o aumento de condições de trabalho precárias e nocivas à saúde e integridade de indivíduos.

O professor José Ricardo chama a nossa atenção para a sensação de pouco otimismo ou esperança que o final do filme nos deixa. Ramalho nos apresenta o pensamento do diretor Ken Loach sobre o que pode um filme e o poder que próprio cineasta pode ter no pensamento das pessoas, e afirma, por fim, que o caráter aberto do filme pode ser um convite a se pensar outras possibilidades e caminhos, através da inquietação que a história nos causa.

A sessão do mês de maio do Cineclube ocorrerá na terça-feira, dia 31, abordando o filme “Deus e o diabo na terra do sol” (1964), de Glauber Rocha.

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Redação: Fernanda Vitoriano (Bolsista e extensionista do projeto Pedagogias da Imagem)

O lugar comum, a poesia e as imagens: Paterson no Cineclube em novembro

O que torna a vida interessante? Na sessão de novembro, o Cineclube Pedagogias da Imagem exibirá Paterson (2016), de Jim Jarmusch, um filme que traz essa e outras questões em sua narrativa.

A produção, que é a décima oitava do diretor, está inserida na tradição cinematográfica construída por cineastas do movimento underground estadunidense.  Responsável pela remodelagem do cinema independente americano – processo ocorrido no fim dos anos 80 e início dos anos 90 -, Jarmusch cria, através de uma estética que visa reduzir os excessos e a agressividade do cinema mainstream, uma forma particular de narrar suas tramas, enfocando situações geralmente descartadas pelo circuito comercial, como é o caso de Stranger than Paradise (1984), primeiro de seus filmes com grande expressão, e de Coffee and Cigarettes (2003), composto exclusivamente pelas narrativas do comum, temática trazida quase na totalidade de seus filmes.

Não podendo ser diferente, é desse lugar ordinário que surge o desenvolvimento do longa escolhido para a exibição de novembro. O filme narra o período de uma semana da rotina de Paterson: motorista de ônibus, o jovem contido – de quem o público observa a história – vive todos os dias da mesma maneira sem se incomodar. É, no entanto, a partir dessa trama absolutamente comum – ou talvez por causa dela – que Jarmusch faz o filme acontecer.

Evoca-se, o tempo todo, sua intrínseca relação com a poesia: além do personagem principal ser, essencialmente, poeta e ter o nome do local em que mora, ambos têm o mesmo nome do poema mais longo de William Carlos Williams, que o fez inspirado pela cidade onde morava. A despeito dessas não coincidências, somadas ao fato do filme ser estruturado de maneira a lembrar a forma de um poema, pode-se inferir maneiras pelas quais o cineasta nos conduz em suas reflexões. 

Assim como faz Paterson – isso é, tirar poesia da banalidade cotidiana -, Jarmusch tenta sugerir ao espectador, através de uma espécie de pedagogia do olhar, uma maneira de achar beleza e satisfação no comum da vida, já que é esse o estado mais constante dela. Nesse sentido, é a repetição que se encarrega de dar todo o tom: se na poesia dita o ritmo, no filme – mostrando-se tão tangível quanto qualquer um dos personagens -, possibilita a construção desse novo olhar.

Sobre essa relação, falará o professor Paulo Domenech Oneto na palestra e no debate que, tradicionalmente, acontecem após a sessão. Doutor em Filosofia pela Université de Nice, em Literatura Comparada pela University of Georgia e professor na Escola de Comunicação da UFRJ, Oneto apresentará a palestra A poesia e a ideia de repetição em Jim Jarmusch, prometendo tecer reflexões e desdobrar leituras sobre estes pontos presentes no filme.

A sessão, indicada para o público a partir de 16 anos, acontecerá no dia 12/11, às 17h, no Auditório Manuel Maurício de Albuquerque (prédio do CFCH), no Campus da Praia Vermelha-UFRJ.

Não perca!

Redação:

Laura de Souza

-Extensionista do projeto Pedagogias da Imagem

Os monstros também fazem pensar: o dissidente The Rocky Horror Picture Show

Em outubro, o Cineclube promete reflexões, risadas e muito mais em clima de terror: na próxima terça-feira, 29/10, às 17 h, exibiremos The Rocky Horror Picture Show, de Jim Sharman, seguido da palestra Dissidências após a meia-noite e as estratégias da estranheza, com Diego Paleólogo – doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ.

A produção se insere na tendência que ficou conhecida, na década de 50, como Midnight Movies. A tradição estadunidense consistia, inicialmente, na exibição televisiva de filmes Trash na sessão da meia-noite; em pouco mais de duas décadas, porém, essa expressão vivia seu auge: salas de cinema eram lotadas por fãs cativos que, ansiosamente, esperavam pelas exibições, que alternavam entre produções Trash, Cult e Terror B.

O musical acabou por se tornar cânone do gênero que retrata, sendo, por isso, o escolhido do mês. O filme apresenta a narrativa de Janet e Brad, um jovem casal heteronormativo, que, após terem seu carro danificado durante uma tempestade, resolvem pedir abrigo na mansão do cientista Dr. Frank-N-Furter – que se autointitula uma doce travesti da Transilvânia Transexual – e acabam por terem suas vidas completamente mudadas.

O terror, enquanto gênero narrativo cinematográfico, busca, desde sempre, provocar afetos, em geral, evitados pela sociedade como um todo; para tanto, a estratégia comumente usada é a de inserção de elementos desviantes que são, ao mesmo tempo, ignorados o suficiente para, desconhecidos, serem envoltos em certa aura de mistério. Não curiosamente, muitos dos filmes de Terror B, como é o caso de The Rocky Horror Picture Show, vê na questão de gênero o gancho perfeito para produção de afetos pretendida. Como ressalta Paleólogo em mais de um dos seus estudos, para se entender, no entanto, o porquê da repetição temática, é preciso, primeiro, entender que quem responde à pergunta “O que nos dá medo?”, em geral, é a figura que representa a normatividade: a do homem branco, classe-média, cisgênero e heterossexual; sendo assim, tudo que o aterroriza é desviante do padrão imposto por ele.

O que vemos no filme é, justamente, a lógica desviante sendo levada à última consequência: no universo construído, o usual torna-se totalmente marginal, isso é, a heteronormatividade (e as nuances que perpassam as discussões de gênero dentro dela) é vista como algo a ser superado por não fazer sentido dentro da construção social que existe dentro do mundo que é a mansão. 

Do ponto de vista da representação, ainda, o longa trilhou caminho para questões que, hoje, amplamente discutidas, começassem a ser pensadas. Além da óbvia preocupação em desconstruir a cisgeneridade, The Rocky Horror traz, abertamente, a possibilidade de liberação dos corpos femininos. Dessa forma, ele é usado para a inauguração de um banco de imagens que representassem essas classes no imaginário popular; ainda que muitas das representações estabelecidas naquela época, hoje, sejam massivamente problematizadas, é inegável a importância que produções desse gênero – essa, em especial –  tiveram no sentido de contribuir para o início da discussão sobre a necessidade de representações além da normativa.  

Na palestra, Diego Paleólogo – professor, escritor, artista visual e aluno de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uerj – pretende pensar, a partir de sua pesquisa, o uso dos elementos estéticos do excesso e do monstruoso como estratégia para compor um imaginário disruptivo.

A sessão, indicada para o público a partir de 16 anos, acontecerá no Auditório Manoel Maurício de Albuquerque (prédio do CFCH), no Campus da Praia Vermelha-UFRJ. Esperamos por você!      

Redação:

Laura de Souza

-Extensionista do projeto Pedagogias da Imagem


Os devires de um mundo todo vivo: a autocompostagem de Agnès Varda

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Na terça-feira, dia 18 de junho, o Cineclube Pedagogias da Imagem exibiu o filme Os Catadores e Eu, da diretora Agnès Varda. Após a sessão, a conversa foi com Susana Oliveira Dias, doutora em Educação pela Unicamp e editora da revista ClimaCom, com a palestra Cinema, Mesopolítica e Antropoceno – Experimentos em Ecologias de Práticas e Afetos Vitais com Agnès Varda.

A palestrante iniciou sua fala ressaltando que, tanto no título original (Les Glaneurs et la Glaneuse), quanto na tradução do mesmo para o Português de Portugal (Os Respigadores e a Respigadora), a diretora se coloca lado a lado com os personagens do documentário. Se autoproclamando também uma catadora, Varda expõe as nuances de sua relação com as imagens. Como afirmou Susana, ela coloca-as como batatas, trigo, objetos vivos a serem respigados e, assim, transferes-lhes vida. Sua técnica documental, desse modo, é composta por um reaproveitamento de diversos elementos, até de si mesma, através de uma voz off subjetiva, de uma autocompostagem. Sendo assim, como os catadores representados na obra, ela constrói uma nova vida a materiais que foram descartados, jogados fora.

Isso marca também a postura de Varda frente a esses personagens, inserindo-os em um comum criado dentro da esfera cinematográfica. Imagens sem julgamentos, sem tristeza, sem a vergonha ocidental do homem branco, que normalmente achamos que permeia a vida desses catadores. Propõe, assim, a possibilidade de se pensar o cinema como meio vivo e criador, capaz de juntar práticas distintas. Não se configura como um filme sobre os outros, colocando-os como seres apropriáveis, mas como uma combinação de vozes, em que Varda afeta e é afetada por seus personagens. Essa questão é exponenciada pela escolha da câmera digital, a qual se destaca por seu tamanho diminuto, aproximando Varda ainda mais do heterogêneo e do artesanal com o qual conversa.

A partir disso, percebemos a concepção da palestrante que permeia toda a construção cinematográfica da obra de Varda, de que “o mundo está todo vivo”. Cada um de seus objetos, assim como as imagens, detém em si vida. Em sua montagem, ela “faz falar” esses elementos que não necessariamente detêm voz própria, mas que pulsam em um eterno devir. Destaca-se um chamado da natureza à variação infinita e, portanto, a diretora filma o que esses seres estão se tornando, constantes esboços de si mesmos. Como exemplo inicial, temos a forte imagem da batata em formato de coração que é coletada por ela no decorrer da filmagem. Por mais irregular ou apodrecida que esteja, ela brota, demonstrando deter em si uma força de vida, de existir. As imagens, para ela, são como batatas, lutam por sua existência e mobilizam diversos seres. Sendo assim, surge a enunciação de que “somos todos respigadores”, todos os elementos do mundo realizam o ato de coletar, cada um à sua maneira.

Susana termina a palestra agradecendo à Varda, principalmente por sua eterna insistência em retratar humanos, devolvendo-lhes um mistério, uma complexidade. Desse modo, busca reativar, de alguma forma, a alegria de estar no mundo. O humano desce do pedestal de suas pretensões, para voltar a ser elemento comum da natureza. Varda nos faz pensar, então, que devemos nos doar a esses encontros que permeiam o mundo, em um filme documental e que, ao mesmo tempo, transborda ficção.

A próxima sessão do Cineclube Pedagogias da Imagem ocorrerá em agosto. Acompanhe as nossas redes sociais para ficar por dentro da programação.

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Redação:

Camila Carneiro

Julia Stallone

– Extensionistas no projeto Pedagogias da Imagem

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Vozes esquecidas pelo tempo

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A história da ciência que conhecemos nos prende a uma perspectiva de uma única história – um termo concebido e problematizado pela escritora Chimamanda Ngozi Adichie em seu TED Talk “O perigo de uma única história“. Segundo esse conceito, a sociedade é levada a acreditar que a totalidade das descobertas científicas foram feitas por homens brancos de classe média, demarcando seu protagonismo. Todavia, essa perspectiva não espelha corretamente a realidade desse meio, que exclui tantas outras existências que batalham socialmente para serem legitimadas intelectualmente. Esse é o caso, principalmente, das mulheres negras na ciência, que tiveram suas vozes apagadas e a autoria de suas teorias usurpadas. É sobre esse panorama que o filme a ser discutido no cineclube Pedagogias da Imagem, “Estrelas além do tempo”, vai retratar.

Tendo isso em vista, é importante entendermos toda a estrutura que, em primeiro lugar, dificulta a entrada dessas pessoas no meio científico, assim como sua permanência no mesmo. Em uma perspectiva histórica, a fala das mulheres sempre foi mais relacionada ao imaginário “do lar” do que a uma lógica de pensamento matemático e de outras áreas do “conhecimento”. Acreditava-se que, biologicamente, elas não teriam a capacidade de raciocínio para adentrar esse universo intelectual, tradicionalmente de exclusividade masculina. Junto a isso, existe um forte imaginário racista na sociedade que relega os corpos negros a uma posição de inferioridade, principalmente no que concerne à lógica científica ocidental, excluindo-os do campo. Esse prisma começa a ser modificado nos Estados Unidos nos anos 60 com o fortalecimento do movimento dos Direitos Civis, que alavancou as pautas negra e feminista, em um esforço para legitimar suas vozes. Apesar de conquistarem alguns direitos e espaços, seus avanços no meio científico continuaram a ser barrados por empecilhos perpetuados pela sociedade. Como Mary Jackson, uma das cientistas retratadas no filme, afirma: “Sempre que temos uma chance de avançar, eles mudam a linha de chegada.” Um exemplo marcante, que retrata essa perspectiva na história estadunidense, foi o dilema presidencial que ocorreu durante o governo Kennedy, em 1963, retratado no documentário “Crise“, cujo título original é “Crisis: behind a presidential commitment” (1963), de Robert Drew. Dois estudantes negros, Vivian Malone e James Hood, tiveram sua entrada na Universidade do Alabama questionada pelo Governador do Estado, George Wallace, que literalmente tentou, com sua presença física, impedir o ingresso na instituição.

Mesmo quando conseguem ultrapassar, com seu talento e esforço, muitas dessas barreiras impostas socialmente, suas contribuições científicas são “esquecidas” do registro histórico. Um grande exemplo é Katherine Johnson, física e matemática, que foi responsável por calcular a trajetória de várias missões da NASA, além de ter sido essencial para o lançamento do primeiro norte-americano no espaço; ela é protagonista do filme “Estrelas Além do Tempo”, que demonstra todo esse processo. Além dela, não podemos deixar de citar Mileva Marić-Einstein, esposa do famoso físico e uma das primeiras mulheres a ingressarem na Universidade Politécnica de Zurique como estudante de Física e Matemática. Sua genialidade foi, inclusive, imprescindível para a elaboração da Teoria da Relatividade, em conjunto com Albert Einstein. No entanto, mesmo sendo cruciais para o avanço da ciência no mundo moderno, seus nomes e, consequentemente, o reconhecimento por suas contribuições foi completamente apagado e esquecido, relegando o crédito de sua intelectualidade a um homem, seja seu “colega” de trabalho, seja seu marido.

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Atualmente, livros e filmes têm buscado trazer à tona essas vozes femininas esquecidas pelo tempo, visando contar a verdadeira história por trás de suas descobertas científicas. Desde livros infantis que contam um pouco da vida e realizações de grandes nomes de mulheres que mudaram o mundo, até livros como “Senhora Einstein” e “Estrelas além do tempo”, que foi adaptado para o cinema e concorreu ao Oscar de melhor filme. Dessa forma, é possível perceber uma tentativa de reformulação da história oficial, iluminando seus erros e exclusões sociais. Apesar disso, podemos perceber ainda certo caráter hollywoodiano, onde imperam vozes masculinas brancas, no que diz respeito à forma que essas histórias serão recontadas. Tal tendência fica evidente com o protagonismo “heroico” de certos personagens brancos que são inseridos nessas narrativas como pessoas bondosas que teriam “concedido” esses espaços. Como se eles estivessem, com seus “favores”, salvando-as de uma realidade de exclusão que eles mesmos foram responsáveis por criar. Isso é perfeitamente traduzido pela inserção de um personagem historicamente inexistente no filme “Estrelas além do tempo”, Al Harrison, seu chefe que a teria “ajudado” a se inserir nesse espaço. Tal prisma não diminui a importância do filme, o qual representa um avanço na pluralidade de histórias acerca do campo científico.

“Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. […] Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso.”, como afirma Chimamanda em seu TED Talk.

Em meio à campanha de ‘21 dias de ativismo contra o racismo’, o longa Estrelas além do tempo (2016), de Theodore Melfi, será exibido na sessão de abertura da temporada 2019 do Pedagogias da Imagem, cineclube da Faculdade de Educação da UFRJ. A sessão acontece no dia 26 de março, às 17 horas, no Campus da Praia Vermelha, no Auditório Manoel Maurício. Após a sessão, Janete Ribeiro, ativista negra, mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense e Professora da Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch, realizará a palestra Uma outra história a ser contada. Todos estão convidados para as discussões sobre mulheres negras na ciência no cineclube!

Redação:
Julia Stallone
Camila Carneiro
– extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem

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“Corra!”, o gênero terror e as questões sociais

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O gênero cinematográfico do terror é geralmente associado à ideia de filmes regados a banhos de sangue e efeitos visuais de má qualidade. Dessa forma, a crítica acaba por rechaçar esse gênero, considerando-os filmes “sem ideias”, cujo conteúdo não traria à tona questões sociais. Todavia, nos últimos anos, uma série de produções captou a estima dos especialistas em cinema, como por exemplo Um lugar silencioso (2018); A bruxa  (2015); Hereditário (2018), Grave (2016) e o próximo filme a ser exibido no cineclube Pedagogias da Imagem, Corra! (2017). Tais longas não são considerados apenas filmes de terror, visto que a concepção preconceituosa construída acerca desse gênero colabora com o desejo de distanciamento daqueles elementos que o caracteriza como um gênero menor. Nesse contexto, surgem denominações como “elevated horror” (terror sofisticado), “drama extremo”, “thriller-chiller” (suspense de calafrios, em tradução livre), entre outros. Assim, percebe-se uma resistência em considerar filmes de terror como formas válidas de arte, dignas de fazer o público pensar e esteticamente legitimadas. “Mas a realidade é que os filmes acima podem ser reunidos sob uma única bandeira. Eles são perturbadores e desafiam o público a pensar. De um jeito ou de outro, são todos de terror”, afirma Simon Rumley, roteirista britânico, diretor e autor associado ao gênero de terror.

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Ben, personagem de “A noite dos mortos-vivos”, de George Romero (1968).

Todavia, esse tipo de abordagem estética valorizada em películas do gênero não é algo recente. “O Iluminado” (1980), “O exorcista” (1963), “O bebê de Rosemary” (1968) conquistaram o amor do público e o respeito da crítica, ao serem considerados formas de terror inteligentes, se configurando, assim, como clássicos do gênero e do cinema como um todo. Um ótimo exemplo dessa perspectiva social permeando o enredo desse gênero menosprezado é a obra Noite dos mortos vivos (1968) de George Romero. (atenção aos que se preocupam com spoilers! Caso não queiram saber detalhes deste filme, pulem para o parágrafo seguinte). A trama retrata a luta pela sobrevivência de um grupo de cinco refugiados em uma casa, enquanto uma horda sedenta de zumbis tenta atacá-los. O aspecto revolucionário se dá no fato de ter um protagonista negro, Ben, como “herói” da história, aquele que salva a outra protagonista branca, Barbara. A situação da fuga perpassa a luta racial dos anos 1960 ao demonstrar a incapacidade dentre os outros refugiados, brancos, e Ben de trabalharem juntos em prol de sua sobrevivência. Ao fim da narrativa, apesar de Ben e Barbara serem os únicos sobreviventes da ameaça zumbi, o protagonista acaba sendo assassinado por uma equipe de policiais ao ser confundido com uma ameaça. Entretanto, esse ato dantesco alude aos episódios históricos ligados ao racismo da força policial dos E.U.A. no período, muitas vezes encarando jovens negros como uma “classe perigosa”. Desse modo, demonstra-se a capacidade e a relevância do horror cinematográfico em abordar criticamente características da sociedade, gerando, assim, uma reflexão por parte do espectador, exponenciada pelo enquadramento cru e sanguinolento que espelha a realidade em suas existências mais expostas ao crime e ao ódio.

Tal temática é desenvolvida, também, pelo diretor e roteirista Jordan Peele em seu filme Corra! (2017), retratando a história de Chris, um jovem negro que namora Rose, uma menina branca de família tradicional. Quando o casal decide passar o final de semana na casa dos pais de Rose, o que era para ser uma viagem tranquila e ordinária se transforma em um pesadelo, permeando sobre a trama uma constante sensação de estranhamento. A importância de sua temática é evidenciada pelo Oscar de Melhor Roteiro Original, conquistado por Peele em 2018, sendo o primeiro homem negro a ganhar tal estatueta. Sendo assim, esse prestígio confere visibilidade não somente à problemática do racismo na sociedade – e à representatividade negra no cinema -, como também ao gênero do terror como algo além de um filme de entretenimento popular. Dessa maneira, Corra! também abre espaço para que novos filmes do gênero sejam mais bem recebidos pela crítica, sendo considerado como realmente obras de terror recheados de ideias e críticas sociais, passíveis de serem aclamadas sem a necessidade de uma nova terminologia que os eleve acima das “ordinárias” películas de horror.

Em meio às comemorações do mês da Consciência Negra e visando analisar as questões raciais que permeiam sua cinematografia, o longa Corra! (2017), de Jordan Peele, será exibido amanhã na sessão de encerramento da temporada 2018 do Pedagogias da Imagem, cineclube da Faculdade de Educação da UFRJ. A sessão acontece no dia 27 de novembro, às 17 horas, no Campus da Praia Vermelha, no Auditório Manoel Maurício. Após a sessão, Bernardo Oliveira, pesquisador, crítico de música e cinema, produtor e professor da Faculdade de Educação da UFRJ, realizará a palestra Economia libidinal e incêndio na Casa Grande. Todos estão convidados para as discussões sobre racismo e terror no cineclube!

 

Redação:

Camila Carneiro
Jeniffer Cavalcanti – extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem

Sessão de novembro apresenta ‘Corra!’

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Na próxima terça-feira, dia 27 de novembro, o cineclube Pedagogias da Imagem fará a exibição do longa Corra! (Get out! – Estados Unidos, 2017), do diretor Jordan Peele, às 17h, no Auditório Manuel Maurício/CFCH. Em seguida, haverá uma conversa sobre o filme com o professor Bernardo Oliveira.

O filme retrata a história de Chris, um jovem negro que acompanha sua namorada caucasiana Rose em um final de semana na casa de seus pais, uma família tradicional moradora do interior do país. Apesar da premissa simples, a narrativa toma rumos dramáticos e violentos em seu curso, exteriorizados principalmente pelo constante estranhamento que rodeia o personagem principal em sua estadia.

A trama segue em uma espécie de adaptação da frase “Eu não sou racista, eu até tenho amigos negros.” Buscando transmitir o espírito que é transpassado pelo enunciado, a narrativa une a abordagem do racismo nos EUA com o gênero cinematográfico terror com maestria. A incessante sátira social e racial consegue se manifestar ao mesmo tempo de forma contundente e agressiva.  O filme foi muito aclamado pela crítica e muito elogiado pela comunidade negra ao redor do mundo. A consciência crítica construída pelo gesto provocador do filme reafirma sua grandiosidade, representando uma maneira contundente de abordar o racismo e questões sociais no audiovisual.

O thriller é dirigido pelo renomado comediante norte-americano Jordan Peele, conhecido por fazer parte do programa MADtv, assim como por criar o show Key and Peele, em que ele também atuava. Seu primeiro trabalho enquanto diretor, Corra!, lhe garantiu a indicação a quatro prêmios Oscar e a estatueta de melhor roteiro original, tornando-se assim o primeiro homem negro a vencer tal categoria. O simbolismo de tal conquista é inquestionável.

Após a exibição do filme, teremos o prazer de receber o doutor em filosofia pela PUC-RIO, Bernardo Oliveira, para uma conversa após sua palestra Economia libidinal e incêndio na Casa Grande. Pesquisador, crítico de música e cinema e produtor, Bernardo trabalha como professor da Faculdade de Educação da UFRJ. Além disso, é colaborador do GEM — Grupo de Educação Multimídia (FL/UFRJ) e do LISE — Laboratório do Imaginário Social e Educação (FE/UFRJ).

Venham e divulguem! Acesse aqui o link para o evento no Facebook. A sessão está aberta também para receber professores com seus estudantes. Para reservar vagas de turmas, entre em contato conosco pelo email: pedagogiasdaimagem@gmail.com

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Redação:

Julia Stallone – extensionista do projeto Pedagogias da Imagem

A pedagogia de Godard: o pensamento como resistência

“Pensar com as próprias mãos é (…) um ato eminentemente artesanal que garante a propriedade, a autoria do que se produz. Em um cinema assim produzido, tende a gerar um pensamento ‘perigoso para o pensador e transformador do real’.” Esse é Jean-Luc Godard, cineasta iconoclasta e transformador do audiovisual, segundo a professora e autora Anita Leandro.

O diretor foi um dos grandes representantes do movimento nouvelle vague, a “nova onda” francesa de estética cinematográfica. Composta por teóricos que começaram seus trabalhos na crítica do cinema, a escola se insere em um contexto de questionamentos típico dos anos 60 e 70. As produções que englobam tal vanguarda buscam, por princípio e excelência, se contrapor às obras cinematográficas até então construídas.

Explorando mais o desenvolvimento do diretor franco-suíço, é possível perceber a modificação em seu caráter de produção com a transição da história mundial. Godard inicia seus trabalhos através de releituras do cinema clássico americano, subvertendo as fórmulas e explorando outras maneiras de expressão da linguagem. Na efervescência do momento francês, com foco principal ao movimento estudantil de 1968 e as consequências mundiais de seus atos, o cineasta passa a modificar seus comportamentos e produções, concomitantemente, se voltando para uma arte enquanto instrumento de resistência e questionamento. Nenhum outro diretor, nem mesmo seus conterrâneos, tiveram tamanha ligação com as manifestações revolucionárias.

O caráter amplamente político e social de Godard, presente em obras como “A chinesa” (1967) e “Número dois” (1975), constrói uma faceta pedagógica e imagética de sua produção cinematográfica. A pedagogia da imagem, definida pela professora Anita Leandro, representa uma forma de, através da experimentação pictórica, pensar. Isto é, uma pedagogia que constrói o aprendizado, não com a representação de conceitos pela imagem, mas que instiga o espectador-aluno a pensar pelas próprias imagens em movimento. Como ela mesma escreve em seu texto ‘Da imagem pedagógica à pedagogia da imagem’, “desde o final dos anos 60, Godard vem produzindo filmes que funcionam como aulas, filmes que são verdadeiros cursos de política, de roteiro, de educação sexual e de história. A pedagogia godardiana consiste desde então em substituir o cinema pela escola, a fruição passiva do telespectador pelo trabalho ativo do aluno.” O que se espera de uma prática do audiovisual que siga as proposições de uma pedagogia da imagem é exatamente uma contraposição à estética comercial do cinema, como aos filmes hollywoodianos, criando um novo saber que se baseia na produção de ideias e pensamentos, na assimilação do conhecimento e no tempo de reflexão proposto pela própria obra.

Abordando o contexto brasileiro de mesma época, o ‘Cinema Novo’, movimento que questionou a desigualdade social e a injustiça no Brasil, teve como grande representante Glauber Rocha, que sofreu significativa influência da nouvelle vague e de Godard. O diretor também propõe a construção de uma contracultura revolucionária que seja ao mesmo tempo “didática e épica” (sobre a atualidade da obra de Glauber, vejam esta palestra que aconteceu após a sessão de “Terra em transe”, em nosso cineclube). O caráter didático representa a abordagem científica da produção, visando mais à alfabetização e conscientização dos espectadores; enquanto que o caráter épico, simultaneamente, representa a abordagem poética que foca na estética da própria produção. É possível perceber assim a construção de uma pedagogia da imagem nestas obras.

A produção cinematográfica godardiana busca apresentar, até os dias de hoje, uma postura de questionamentos contra a sociedade do consumo e suas injustiças político- sociais. Dessa forma, a sua pedagogia assume uma posição de resistência, na incitação de um “pensar por si mesmo”. A pedagogia da imagem, termo que dá nome ao nosso cineclube, pode ser entendida como uma maneira de fazer pensar, expor uma conversa, com e através das imagens, engajando-se com o público, objetivando a formulação de novos pensamentos e experiências do real.

Em comemoração aos 50 anos da Faculdade de Educação da UFRJ e buscando analisar melhor o termo que nomeia o cineclube, o longa Filme socialismo (2010), de Jean-Luc Godard, será exibido na próxima sessão do Pedagogias da Imagem, cineclube da Faculdade de Educação da UFRJ, no dia 02/10/2018, às 17 horas, no Campus da Praia Vermelha, no Auditório Manoel Maurício. Após a sessão, Jorge Vasconcellos, doutor em Filosofia pela UFRJ, professor no programa de pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes da Universidade Federal Fluminense (PPGCA/UFF), realizará a palestra contrapedagogia da imagem e política da arte. Todos estão convidados para a abertura do mês de discussões sobre educação no cineclube!


Redação:
Julia Stallone
Jeniffer Cavalcanti
– extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem


O imagético em Godard

Film Socialisme

Na próxima terça-feira, dia 2 de outubro, o cineclube Pedagogias da Imagem fará a exibição do longa Filme Socialismo (Suíça/França, 2010), do diretor Jean-Luc Godard, às 17h no Auditório Manuel Maurício. Em seguida, haverá uma conversa sobre o filme com o professor Jorge Vasconcellos.

O filme, com falas em francês e alemão, retrata três visões da Europa a partir de interações entre os personagens em um cruzeiro pelo Mar Mediterrâneo, inquietudes infantis de duas crianças sobre liberdade, igualdade e fraternidade e, por fim, um percurso pelas histórias e lendas de seis lugares mitológicos (Egito, Palestina, Odessa, Hellas, Nápoles e Barcelona).

As obras do diretor são conhecidas por suas experimentações pictóricas e Filme Socialismo não é diferente. O filme é repleto de interações metalinguísticas com imagens, sons, ruídos, músicas, fades temporais, o nada, o escuro, o vazio. É a partir dessas vozes imagéticas e iconográficas que a crítica feita por Godard é introduzida na narrativa de maneira diferenciada e entorpecente.

O diretor do filme, Jean-Luc Godard, é um cineasta franco-suíço conhecido por suas produções polêmicas e de vanguarda. Ele representa um dos principais nomes da Nouvelle Vague, movimento artístico do cinema francês caracterizado pela transgressão das regras e princípios do cinema comercial. Dentre as obras produzidas pelo cineasta destacam-se os filmes: “Acossado” (1960), “O desprezo” (1963) e “O demônio das onze horas” (1965).

Após a exibição do filme teremos o prazer de receber o doutor em filosofia pela UFRJ, Jorge Vasconcellos, para uma conversa na palestra contrapedagogia da imagem e política da arte. Professor do programa de pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes da UFF, publicou, entre outros, os livros “Deleuze e o Cinema” e “Arte, vida e política: ensaio sobre Foucault e Deleuze”.

Dando continuidade às comemorações e às reflexões desencadeadas pela ocasião dos 50 anos da Faculdade de Educação da UFRJ e os intensos debates sobre o lugar político da educação e da universidade pública, fazemos um convite para pensar a própria expressão que nos serve de título: a ideia de uma ‘pedagogia da imagem’. Conversaremos sobre temas que atravessam o cinema, a educação e a cultura, com Jean-Luc Godard e seu ‘Filme socialismo’ (2010). Jorge Vasconcellos desdobrará a noção de  ‘contrapedagogia’, em um deslocamento das artes visuais para a imagem cinematográfica, aproximando-se também do conceito de ‘política da arte’, de Jacques Rancière. Desta forma, vamos pensar as implicações políticas do filme godardiano e suas ressonâncias urgentes para nós, espectadores do Brasil contemporâneo.

Venham e divulguem! Acesse aqui o link para o evento no Facebook. A sessão está aberta também para receber professores com seus estudantes. Se quiser reservar vagas para sua turma, é só entrar em contato conosco pelo email: pedagogiasdaimagem@gmail.com

Redação:
Camila Carneiro
Luana Maia
– extensionistas do projeto Pedagogias da imagem

 

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Corpos revolucionários: de Whitman a Marcelo Caetano

“Eu canto o corpo elétrico.” (…) “Se algo é sagrado, o corpo humano é sagrado /E a glória e a doçura do homem o emblema da humanidade imaculada /E no homem ou na mulher um corpo são, forte, musculoso, é mais belo do que a mais bela das faces. /Já viram o insensato que perverteu o próprio corpo? ou a insensata que perverteu o próprio corpo dela? /Pois eles não se escondem, não podem esconder-se a si mesmos.”

É com essa desenvoltura e iconoclastia que o grande escritor norte-americano revolucionário Walt Whitman descreve seu apreço pela expressão corporal enquanto coisa única. Conhecido como o criador dos ‘versos livres’, ao escrever poemas durante todo século XIX que questionavam as padronizações poéticas da época, Whitman desenvolveu seu renome nas tentativas de afirmar,através da literatura, a diversidade dos seres humanos e as interconexões sexuais e cognitivas inquestionáveis entre todas as pessoas. Seus poemas enalteciam, com tamanha simplicidade, o corpo, a mente, e o existir; no próprio poema explicitado, “Eu canto o corpo elétrico”, ele incita: “E se o corpo não for a alma, o que será a alma?” Seu corpo de trabalho ficou conhecido principalmente por abordar questões controversas, normalmente consideradas ‘tabus’ incontestáveis na sociedade em que viveu. Denominado por Fernando Pessoa como o maior poeta revolucionário norte-americano, ele produziu durante o período literário do humanismo, que situou-se entre o transcendentalismo e o realismo, o que garantiu diferentes influências à sua obra. O filme “Versos de um crime” (Kill your darlings) explora as rupturas e a sensualidade da literatura de Whitman, que funciona como plano de fundo ao crescimento literário revolucionário e queer dos personagens principais da trama. Estudantes de Literatura na Columbia University, Allen Ginsberg e Lucien Carr exploram a destruição de ícones em uma das mais tradicionais universidades norte-americanas como forma de descoberta de suas próprias identidades. A liberdade linguística, consequência e causa de todo o processo, era celebrada pelos personagens em brindes a Whitman em bares de Nova York.

Outro filme que se utiliza da obra e da figura de Walt Whitman, nesse caso, de forma mais significativa, é a produção brasileira de 2017, Corpo elétrico, de Marcelo Caetano. O título incorpora uma referência a um dos poemas do escritor, já acima explicitado. A temática sexual, sensual, carnal e iconoclasta mantém-se enquanto uma construção de ponto de vista: entender os seres humanos em suas condições físicas e sentimentais, em constante descobrimento, mesmo que em seus níveis mais simples. O filme retrata o corpo em suas repartições eletrizantes; o contato dos quadris com o sol, a nuca, as costas, o torso, a boca, o maxilar – um corpo com seus universos inteiros. A sensualidade e a simplicidade da construção da narrativa de um trabalhador jovem, gay, da classe média de São Paulo, em uma confecção de roupas. Elias, jovem paraibano que não mantém muito contato com os pais, tenta, na narrativa, conciliar suas autodescobertas com o seu trabalho e sua vida social. A construção da história se baseia em um princípio de alteridade, também como afirmou o diretor, em entrevista ao “Canal das Bee”, plataforma de produção de vídeos no Youtube que pauta a questão LGBT de forma questionadora e inquietante. Ao descrever o filme, Marcelo fala de uma “experiência de alteridade, da possibilidade da gente encontrar pessoas que sejam diferentes (…), falar de encontros que são improváveis mas não são impossíveis, é apostar nesse fiapo de probabilidade e colocar lado a lado a drag queen e um casal de evangélicos.” A constância de provocação, que relaciona-se com o autor escolhido para presentear o nome do filme, cria novas formas de comunicação através do audiovisual; formas essas que desejam ser naturalizadas. A fuga da previsibilidade dos filmes LGBTs também é percebida nesse caráter. Os “corpos elétricos” são os corpos apresentados (e não representados) pelo filme, são os corpos apagados que com simplicidade colocam-se em posição de protagonismo – sem medo, sem estereótipos, como a água cai do chuveiro.

Lembremos também de outro filme recente, “A Seita” (2015), ficção científica do diretor André Antônio, que conta a história de um jovem entediado com as vida nas colônias espaciais de 2040. Ele decide retornar a Recife, onde tem contato com a Seita que o ajuda a recriar e problematizar as noções de corpo enquanto uno, assim como a sua própria identidade individual. Mesmo que carregado de outras bagagens, a temática LGBT apresentada busca também a naturalidade sexual, carnal, afetiva.

É possível perceber na construção dessas novas narrativas da linguagem audiovisual uma tentativa de apresentar um ambiente de diversidade, uma atmosfera queer. A sensação do “proibido”, que permeou as primeiras produções LGBT do cinema na história, é abandonada, o invisível a ele conotado passa a ser substituído por um protagonismo da subversão, do disruptivo. É  importante delimitar essa mudança de cenário. A transformação, a alteração da posição da câmera que passa a centralizar aqueles que viviam à margem, banhados em representações superficiais e/ou estereotipadas. Como o diretor do filme Corpo Elétrico irá afirmar, “o corpo elétrico é se libertar (…), como se reencontrar com o próprio corpo.” São desse perfil os novos representantes do cinema que pauta-se na diversidade, com a certeza de que a própria afirmação de sua existência queer já é uma tomada de posição revolucionária.

O filme Corpo elétrico será exibido na próxima sessão do Pedagogias da Imagem, cineclube da Faculdade de Educação da UFRJ, no dia 04/09/2018, às 17 horas, no Campus da Praia Vermelha, no Auditório Manoel Maurício. Após a sessão, o professor Thiago Ranniery, da Faculdade de Educação da UFRJ, atuante e pesquisador nas áreas que refletem os temas de gênero, sexualidade, afeto e diferença, realizará uma palestra por ele denominada O intenso tecer, ou esboço de uma pedagogia queer. Todos estão convidados para a abertura do mês de diversidade no cineclube!

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Redação:
Julia Stallone
– extensionista do projeto Pedagogias da Imagem