Paisagens da alteridade e a renovação do olhar

Na quarta-feira, 26 de abril, o Cineclube Pedagogias da Imagem retornou para sua primeira sessão do ano com o filme A história da eternidade (2014), de Camilo Cavalcante. Após a exibição, tivemos a palestra O outro em tempos outros: ressonâncias entre o cinema e a educação, com a convidada Andreza Berti, doutora em educação pela UFRJ e diretora adjunta de ensino do CAp-UFRJ. 

No primeiro longa-metragem do diretor pernambucano, a narrativa ficcional acompanha a vida que pulsa em meios às tensões e limitações de moradores de um pequeno vilarejo no sertão, centrada na história de três mulheres: Alfonsina, adolescente, que tem o sonho de conhecer o mar; Querência, adulta, que está passando pelo luto após perder seu filho; e Das Dores, idosa, que reencontra seu neto de São Paulo, depois de anos. A história se divide como em contos, mas interligada de alguma forma, tendo o sertão como pano de fundo e incorporando influências de fábulas nordestinas na narrativa.  

Andreza iniciou sua fala estimulando o público a pensar sobre nossa experiência da relação com o outro, com a alteridade apresentada ao longo da projeção. Quais afetos foram mobilizados na presença do outro? De acordo com a pesquisadora, é a experiência que permite o exercício do pensamento, a partir do olhar atento sobre as coisas. A partir do movimento exploratório do pensamento sobre o lugar em que se vive, é possível enxergar a maneira pela qual nos posicionamos no mundo, o lugar ao qual pertencemos, e, ao mesmo tempo, onde a alteridade e a diferença também habitam. Ao adotar esse olhar mais atento, percebemos a presença do outro não só neste próprio lugar, mas também como agente do significado construído a partir deste olhar. Ela nos convida, então, para entrar neste lugar e nos tornarmos outros, não no sentido de uma apropriação do lugar do outro, mas de uma abertura para a diferença oferecida pelo cinema. 

Dito isso, o papel que o cinema exerce na composição desse olhar se dá por meio da lente do filme, a vista pela qual olhamos. Ao assistir um filme, assistimos tudo pela perspectiva do olhar que nos é apresentado. As perguntas que surgem são geradas a partir do exercício do pensamento no encontro com as imagens. O papel do cineasta, portanto, seria o de criar a relação entre o filme e quem está vendo por meio da gênese de novos mundos, de novas relações e pensamentos, instigando-nos a formular novas perguntas a partir do que se vê. Sendo assim, o diretor Camilo Cavalcante nos presenteia com novos olhares: o filme se dá por longos e demorados planos abertos que nos convidam a ver e a sentir de outra forma as coisas e o outro, afastando-nos da familiaridade das identificações.   

Andreza fez menção a uma das cenas mais marcantes do filme, na qual Joãozinho, personagem de Irandhir Santos, performa ao som da música “Fala” – da banda Secos e Molhados -, diante de todo o vilarejo. Enquanto a câmera gira ao redor do artista, vemos todos os personagens do filme saírem de suas casas para vê-lo dançar. Deste modo, somos lançados em meio aos diferentes olhares e reações dos personagens, ao mesmo tempo em que construímos nosso olhar a partir das perspectivas do outro. Sendo assim, nas palavras da convidada, o cinema seria um elemento desestabilizador, produtor de afeto: ele promoveria um espaço de manifestação e encontro com a alteridade, ao multiplicar as experiências vividas a partir do contato com a diferença, nos fazendo pensar se ainda assim continuaríamos os mesmos. O filme de Cavalcante operaria desta forma: ele questiona nossos afetos, nossos juízos de valor, reenviando nossa presença para a posição de espectadores do outro, imersos no tempo do outro.  

E por falar em tempo, outra pergunta nos sobrevém ao longo da palestra: o que fazemos com o tempo do agora? E o tempo das relações pedagógicas, quando mediadas pelo cinema e pelas artes? Para os espectadores de um filme, imersos em uma sala de exibição, o tempo se interrompe e o presente vira o instante do que é exibido, incluindo aí o acoplamento de pensamentos, sensações e imagens, a co-construção dos afetos através da narrativa e personagens. Sendo assim, da mesma maneira que Joãozinho conseguiu apresentar o mar para Alfonsina com o exercício da imaginação, o papel do cinema no espaço da educação se associa ao desafio de criar linhas de fuga, tempos e realidades capazes de criar reflexões e novos olhares para o mundo, para os outros, para o que está ao nosso redor. 

A próxima sessão do cineclube ocorrerá neste mês de maio. A programação será divulgada em breve. Siga o projeto no Instagram, no Facebook e no Twitter para atualizações e mais informações. Até breve!

Redação:
Rafaela Filgueiras – bolsista PIBIAC do projeto Pedagogias da Imagem

Fotos:
Ananda Kropotoff – extensionista do projeto Pedagogias da Imagem

Agradecimentos:
CBPF
Andreza Berti
Camilo Cavalcante