Cinema e Espaço: os cinemas de rua e sua importância para a sociedade

Dentre as diversas transformações socioespaciais ocorridas nas últimas décadas, o desaparecimento dos cinemas de rua indica mudanças culturais da população contemporânea. Agravado a partir das décadas de 1970 e 1980, o fim de diferentes cinemas de bairro do país, principalmente nos grandes centros urbanos, como na cidade de São Paulo e no Rio de Janeiro, está relacionado às formas como os cidadãos ocupam – ou deixam de ocupar, no caso – os espaços públicos. Apesar de apresentarem histórias e culturas de cada sociedade, durante os anos de 1970 os cinemas de rua viveram o início de sua decadência.

Com a especulação imobiliária e o crescimento da violência urbana, muitos cinemas foram fechados e houve, simultaneamente, um declínio do número de público nas salas dos que restaram. Além disso, o surgimento e o estabelecimento de novas tecnologias, como o VHS, culminaram na diminuição ainda mais intensa de espectadores de cinema. Fragilizados e sem incentivos governamentais para sua preservação, os cinemas presentes nos bairros das cidades foram deixados de lado. Em seus lugares, foram construídos bancos, igrejas, lojas comerciais e estacionamentos. A transformação de cinemas em estacionamentos resultou no curta-metragem ‘E’, de 2014. Dirigido por Alexandre Wahrhaftig, Helena Ungaretti e Miguel Antunes Ramos, a obra apresenta como diversos cinemas de bairro na cidade de São Paulo, como o Cinema Seu Geraldo, foram fechados e passaram a funcionar apenas como estacionamentos. O curta, neste sentido, busca refletir sobre a principal mudança com tal substituição: como locais que tinham a função de transmitir narrativas e reunir pessoas tornaram-se um espaço apenas para armazenar e guardar automóveis – sem possibilidade ou intenção alguma para trocas, conversas e diálogos.

Cine Guaraci, sala de cinema em Rocha Miranda, RJ

Se por um lado houve a decadência cada vez mais agravante dos cinemas de rua, por outro ocorreu a ascensão dos shoppings centers. Representando as ideias de segurança, modernidade e consumo, defendidas nos grandes centros urbanos, os shoppings centers se estabeleceram na sociedade e impulsionaram o sentimento de individualismo e enclausuramento dos cidadãos. Na virada da década de 1970 para 1980, diversos complexos de cinema – os multiplex – passaram a integrar os shoppings centers. Além de indicar a ausência da ocupação das ruas das cidades, a construção de salas de exibição dentro de shoppings agravou a transformação acerca do que era entendido como cinema. Isto é, o cinema, durante suas décadas de auge, significava histórias, convívios, culturas, conhecimentos e trocas e, com as mudanças mencionadas, ele passou a ser entendido como uma única ideia: consumo. Relacionados diretamente aos shoppings centers, o cinema passou a ser visto como parte da sociedade de consumo. Os complexos de cinema, neste sentido, buscam exibir filmes mais comerciais, que aplicam lógicas de consumo para gerar mais lucro, e o cinema passa, assim, a ser puro entretenimento e produto comercial, deixando de representar seus ideais que um dia foram cruciais para sua produção.

Com o avanço da internet e o incentivo das publicidades, os shoppings continuam sendo parte da sociedade e da vida de cada indivíduo. De acordo com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), em estudo divulgado em 2014, a quantidade de salas de exibição dentro de shoppings cresceu 87,5%, enquanto os cinemas de rua apresentaram taxa de redução de 15,8%. Hoje, há mais de 2.300 salas de cinema dentro de shoppings. Na década de 1970, no entanto, havia, no território nacional cerca de 3.276 salas. Além do intenso declínio e da cada vez mais insignificante atenção e apoio aos cinemas de rua – e à produção audiovisual nacional em geral – , o cenário atual de sua falência será agravada pela pandemia. Diversos representantes de cinema de bairro já indicam medo frente a um possível fechamento. O Grupo Estação, por exemplo, presente na Zona Sul do Rio de Janeiro há 35 anos, já está com um projeto de financiamento coletivo – Continua, Meu Estação – e pede, deste modo, a contribuição de cineastas, atores e do público em geral para sua manutenção na cidade.

Letreiro do cinema Estação Net Botafogo em março de 2020

Torna-se crucial, neste sentido, estar atento à importância e ao papel fundamental que os cinemas de rua significam na sociedade atual: a capacidade de ocupar os espaços públicos com narrativas diversas, novas linguagens e a consequente troca de conhecimentos e diálogos.

Fontes de pesquisa: Follow the Colors; O Globo; Cinema Em Cena; Nexo Jornal, Revista Arruaça.

Luisa Martins

ー Extensionista do projeto Pedagogias da Imagem