Os devires de um mundo todo vivo: a autocompostagem de Agnès Varda

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Na terça-feira, dia 18 de junho, o Cineclube Pedagogias da Imagem exibiu o filme Os Catadores e Eu, da diretora Agnès Varda. Após a sessão, a conversa foi com Susana Oliveira Dias, doutora em Educação pela Unicamp e editora da revista ClimaCom, com a palestra Cinema, Mesopolítica e Antropoceno – Experimentos em Ecologias de Práticas e Afetos Vitais com Agnès Varda.

A palestrante iniciou sua fala ressaltando que, tanto no título original (Les Glaneurs et la Glaneuse), quanto na tradução do mesmo para o Português de Portugal (Os Respigadores e a Respigadora), a diretora se coloca lado a lado com os personagens do documentário. Se autoproclamando também uma catadora, Varda expõe as nuances de sua relação com as imagens. Como afirmou Susana, ela coloca-as como batatas, trigo, objetos vivos a serem respigados e, assim, transferes-lhes vida. Sua técnica documental, desse modo, é composta por um reaproveitamento de diversos elementos, até de si mesma, através de uma voz off subjetiva, de uma autocompostagem. Sendo assim, como os catadores representados na obra, ela constrói uma nova vida a materiais que foram descartados, jogados fora.

Isso marca também a postura de Varda frente a esses personagens, inserindo-os em um comum criado dentro da esfera cinematográfica. Imagens sem julgamentos, sem tristeza, sem a vergonha ocidental do homem branco, que normalmente achamos que permeia a vida desses catadores. Propõe, assim, a possibilidade de se pensar o cinema como meio vivo e criador, capaz de juntar práticas distintas. Não se configura como um filme sobre os outros, colocando-os como seres apropriáveis, mas como uma combinação de vozes, em que Varda afeta e é afetada por seus personagens. Essa questão é exponenciada pela escolha da câmera digital, a qual se destaca por seu tamanho diminuto, aproximando Varda ainda mais do heterogêneo e do artesanal com o qual conversa.

A partir disso, percebemos a concepção da palestrante que permeia toda a construção cinematográfica da obra de Varda, de que “o mundo está todo vivo”. Cada um de seus objetos, assim como as imagens, detém em si vida. Em sua montagem, ela “faz falar” esses elementos que não necessariamente detêm voz própria, mas que pulsam em um eterno devir. Destaca-se um chamado da natureza à variação infinita e, portanto, a diretora filma o que esses seres estão se tornando, constantes esboços de si mesmos. Como exemplo inicial, temos a forte imagem da batata em formato de coração que é coletada por ela no decorrer da filmagem. Por mais irregular ou apodrecida que esteja, ela brota, demonstrando deter em si uma força de vida, de existir. As imagens, para ela, são como batatas, lutam por sua existência e mobilizam diversos seres. Sendo assim, surge a enunciação de que “somos todos respigadores”, todos os elementos do mundo realizam o ato de coletar, cada um à sua maneira.

Susana termina a palestra agradecendo à Varda, principalmente por sua eterna insistência em retratar humanos, devolvendo-lhes um mistério, uma complexidade. Desse modo, busca reativar, de alguma forma, a alegria de estar no mundo. O humano desce do pedestal de suas pretensões, para voltar a ser elemento comum da natureza. Varda nos faz pensar, então, que devemos nos doar a esses encontros que permeiam o mundo, em um filme documental e que, ao mesmo tempo, transborda ficção.

A próxima sessão do Cineclube Pedagogias da Imagem ocorrerá em agosto. Acompanhe as nossas redes sociais para ficar por dentro da programação.

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Redação:

Camila Carneiro

Julia Stallone

– Extensionistas no projeto Pedagogias da Imagem

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