A pedagogia de Godard: o pensamento como resistência

“Pensar com as próprias mãos é (…) um ato eminentemente artesanal que garante a propriedade, a autoria do que se produz. Em um cinema assim produzido, tende a gerar um pensamento ‘perigoso para o pensador e transformador do real’.” Esse é Jean-Luc Godard, cineasta iconoclasta e transformador do audiovisual, segundo a professora e autora Anita Leandro.

O diretor foi um dos grandes representantes do movimento nouvelle vague, a “nova onda” francesa de estética cinematográfica. Composta por teóricos que começaram seus trabalhos na crítica do cinema, a escola se insere em um contexto de questionamentos típico dos anos 60 e 70. As produções que englobam tal vanguarda buscam, por princípio e excelência, se contrapor às obras cinematográficas até então construídas.

Explorando mais o desenvolvimento do diretor franco-suíço, é possível perceber a modificação em seu caráter de produção com a transição da história mundial. Godard inicia seus trabalhos através de releituras do cinema clássico americano, subvertendo as fórmulas e explorando outras maneiras de expressão da linguagem. Na efervescência do momento francês, com foco principal ao movimento estudantil de 1968 e as consequências mundiais de seus atos, o cineasta passa a modificar seus comportamentos e produções, concomitantemente, se voltando para uma arte enquanto instrumento de resistência e questionamento. Nenhum outro diretor, nem mesmo seus conterrâneos, tiveram tamanha ligação com as manifestações revolucionárias.

O caráter amplamente político e social de Godard, presente em obras como “A chinesa” (1967) e “Número dois” (1975), constrói uma faceta pedagógica e imagética de sua produção cinematográfica. A pedagogia da imagem, definida pela professora Anita Leandro, representa uma forma de, através da experimentação pictórica, pensar. Isto é, uma pedagogia que constrói o aprendizado, não com a representação de conceitos pela imagem, mas que instiga o espectador-aluno a pensar pelas próprias imagens em movimento. Como ela mesma escreve em seu texto ‘Da imagem pedagógica à pedagogia da imagem’, “desde o final dos anos 60, Godard vem produzindo filmes que funcionam como aulas, filmes que são verdadeiros cursos de política, de roteiro, de educação sexual e de história. A pedagogia godardiana consiste desde então em substituir o cinema pela escola, a fruição passiva do telespectador pelo trabalho ativo do aluno.” O que se espera de uma prática do audiovisual que siga as proposições de uma pedagogia da imagem é exatamente uma contraposição à estética comercial do cinema, como aos filmes hollywoodianos, criando um novo saber que se baseia na produção de ideias e pensamentos, na assimilação do conhecimento e no tempo de reflexão proposto pela própria obra.

Abordando o contexto brasileiro de mesma época, o ‘Cinema Novo’, movimento que questionou a desigualdade social e a injustiça no Brasil, teve como grande representante Glauber Rocha, que sofreu significativa influência da nouvelle vague e de Godard. O diretor também propõe a construção de uma contracultura revolucionária que seja ao mesmo tempo “didática e épica” (sobre a atualidade da obra de Glauber, vejam esta palestra que aconteceu após a sessão de “Terra em transe”, em nosso cineclube). O caráter didático representa a abordagem científica da produção, visando mais à alfabetização e conscientização dos espectadores; enquanto que o caráter épico, simultaneamente, representa a abordagem poética que foca na estética da própria produção. É possível perceber assim a construção de uma pedagogia da imagem nestas obras.

A produção cinematográfica godardiana busca apresentar, até os dias de hoje, uma postura de questionamentos contra a sociedade do consumo e suas injustiças político- sociais. Dessa forma, a sua pedagogia assume uma posição de resistência, na incitação de um “pensar por si mesmo”. A pedagogia da imagem, termo que dá nome ao nosso cineclube, pode ser entendida como uma maneira de fazer pensar, expor uma conversa, com e através das imagens, engajando-se com o público, objetivando a formulação de novos pensamentos e experiências do real.

Em comemoração aos 50 anos da Faculdade de Educação da UFRJ e buscando analisar melhor o termo que nomeia o cineclube, o longa Filme socialismo (2010), de Jean-Luc Godard, será exibido na próxima sessão do Pedagogias da Imagem, cineclube da Faculdade de Educação da UFRJ, no dia 02/10/2018, às 17 horas, no Campus da Praia Vermelha, no Auditório Manoel Maurício. Após a sessão, Jorge Vasconcellos, doutor em Filosofia pela UFRJ, professor no programa de pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes da Universidade Federal Fluminense (PPGCA/UFF), realizará a palestra contrapedagogia da imagem e política da arte. Todos estão convidados para a abertura do mês de discussões sobre educação no cineclube!


Redação:
Julia Stallone
Jeniffer Cavalcanti
– extensionistas do projeto Pedagogias da Imagem


O imagético em Godard

Film Socialisme

Na próxima terça-feira, dia 2 de outubro, o cineclube Pedagogias da Imagem fará a exibição do longa Filme Socialismo (Suíça/França, 2010), do diretor Jean-Luc Godard, às 17h no Auditório Manuel Maurício. Em seguida, haverá uma conversa sobre o filme com o professor Jorge Vasconcellos.

O filme, com falas em francês e alemão, retrata três visões da Europa a partir de interações entre os personagens em um cruzeiro pelo Mar Mediterrâneo, inquietudes infantis de duas crianças sobre liberdade, igualdade e fraternidade e, por fim, um percurso pelas histórias e lendas de seis lugares mitológicos (Egito, Palestina, Odessa, Hellas, Nápoles e Barcelona).

As obras do diretor são conhecidas por suas experimentações pictóricas e Filme Socialismo não é diferente. O filme é repleto de interações metalinguísticas com imagens, sons, ruídos, músicas, fades temporais, o nada, o escuro, o vazio. É a partir dessas vozes imagéticas e iconográficas que a crítica feita por Godard é introduzida na narrativa de maneira diferenciada e entorpecente.

O diretor do filme, Jean-Luc Godard, é um cineasta franco-suíço conhecido por suas produções polêmicas e de vanguarda. Ele representa um dos principais nomes da Nouvelle Vague, movimento artístico do cinema francês caracterizado pela transgressão das regras e princípios do cinema comercial. Dentre as obras produzidas pelo cineasta destacam-se os filmes: “Acossado” (1960), “O desprezo” (1963) e “O demônio das onze horas” (1965).

Após a exibição do filme teremos o prazer de receber o doutor em filosofia pela UFRJ, Jorge Vasconcellos, para uma conversa na palestra contrapedagogia da imagem e política da arte. Professor do programa de pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes da UFF, publicou, entre outros, os livros “Deleuze e o Cinema” e “Arte, vida e política: ensaio sobre Foucault e Deleuze”.

Dando continuidade às comemorações e às reflexões desencadeadas pela ocasião dos 50 anos da Faculdade de Educação da UFRJ e os intensos debates sobre o lugar político da educação e da universidade pública, fazemos um convite para pensar a própria expressão que nos serve de título: a ideia de uma ‘pedagogia da imagem’. Conversaremos sobre temas que atravessam o cinema, a educação e a cultura, com Jean-Luc Godard e seu ‘Filme socialismo’ (2010). Jorge Vasconcellos desdobrará a noção de  ‘contrapedagogia’, em um deslocamento das artes visuais para a imagem cinematográfica, aproximando-se também do conceito de ‘política da arte’, de Jacques Rancière. Desta forma, vamos pensar as implicações políticas do filme godardiano e suas ressonâncias urgentes para nós, espectadores do Brasil contemporâneo.

Venham e divulguem! Acesse aqui o link para o evento no Facebook. A sessão está aberta também para receber professores com seus estudantes. Se quiser reservar vagas para sua turma, é só entrar em contato conosco pelo email: pedagogiasdaimagem@gmail.com

Redação:
Camila Carneiro
Luana Maia
– extensionistas do projeto Pedagogias da imagem

 

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